Ter-me foi puro acidente.
Talvez quisesse um prazer.
Porém você foi decente:
Nada fez pr’eu não nascer.
Deixou-me com a natureza.
Pois sei que em sua rudeza
Nós não passamos de bicho:
Não sou mais que a andorinha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi jogar-me no lixo!
Vive mais pelo instinto.
À própria sorte lançada.
Pra parir, qualquer recinto
Serve a u’a pobre coitada.
A miséria é que embrutece.
A mulher surta, enlouquece,
E acha o latão um bom nicho
Pra deixar sua avezinha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi jogar-me no lixo!
É mais forte que a gente
O instinto de procriar.
Inda mais se for um ente
Que não pôde se educar.
Então ficou sem defesa,
E a força da natureza
Tirou você do seu eixo,
Porque senão eu não vinha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi má e eu não me queixo!
Na natureza é assim:
Não se resiste ao impulso.
Se a mãe enjeita um bichim,
De seu meio não é expulso.
Pois o filhote é da vida,
Que cuida em dar-lhe guarida.
Você não agiu por capricho.
A culpa não é sua nem minha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi jogar-me no lixo!
E agradeço a você
Que me deixou num latão,
Pr’eu então sobreviver.
Que ironia nesse mundão!
Pois hoje é já u’a carreira
Pobre viver da lixeira.
Então lhe atire um seixo
Quem não pecava... E sozinha!?
Sua intenção, mamãezinha
Não foi má e eu não me queixo!
A gente quer condenar:
--- É uma mãe desnaturada!
Mas se fosse você lá
Nu’a vida desesperada,
Louca de tanto sofrer?
Creio a pudesse entender.
Com a cruz mais leve eu a deixo,
Que o juízo se avizinha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi má e eu não me queixo!
No fim, você me salvou!
Não sacrificou-se em vão,
Pois sua mão me entregou
A um catador bom irmão.
Pra isso o céu conspirou!
Você não me abandonou.
Só deixou-me igual aos bicho...
Que logo o socorro vinha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi jogar-me no lixo!A décima a seguir, que faz parte do poema O Menor Abandonado, foi glosada pelo violeiro repentista Sebastião da Silva, poeta nascido em Pilhõesinho - PB, em 1945.
Os culpados são os pais
Que por prazer lhe geraram,
Lhe confeccionaram
Com seus desejos venais,
Num dos atos mais brutais.
Depois do feto gerado
Nasceu e foi atirado
Na podridão da cidade.
Lamento a necessidade
Do menor abandonado.
Um comentário:
Almir,parabéns pelos versos!
Realmente muito sensatos e bem feitos.
Após a leitura fiquei a pensar: Meu Deus! como é que pode? Depois de carregar nove meses em seu ventre um ser tão frágil,tão dependente e tão seu, como se explicar um gesto desse tipo? Fiquei achando que:
A consciência falhou
Causando transtorno e dor
Mas na hora da decisão
De jogar o rebento fora
O coração em disparada
Amenizou a coisa errada
Foi gravidez não planejada
Mas a vida ela poupou.
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