O autor da primeira estrofe é o cantador repentista Sebastião da Silva, poeta nascido em Pilõesinhos - Paraíba, em 1945; o autor da segunda estrofe é o cantador repentista Odilon Nunes de Sá, poeta nascido em Patos das Espinharas - Paraíba, em 1901, e falecido em 1997.

Sextilha de um anônimo:
A mulher pra ser bonita
Sextilha do cantador repentista Manoel Xudu Sobrinho, o Manoel Xudu, poeta nascido em Pilar - Paraíba, em 1932, e falecido em 1980.

Ainda o poeta repentista Manoel Xudu, glosando o mote que se vê nos dois últimos versos, disse:
Sextilhas do cantador repentista José Lopes Neto, mais conhecido como Zé Catota, poeta nascido em São José do Egito - Pernambuco, em 1917, e falecido (?) em 19.....

*
*
Vai de janeiro a janeiro,
Sem dar nem uma chuvada.
Faltando terra molhada;
Não se vê um nevoeiro.
Fica triste o fazendeiro,
Sem saber mais o que faça.
O gado de braça em braça,
No sertão do Pajeú,
Comendo mandacaru
Que o fogo da seca assa.
Sextilha do cantador repentista Severino Pelado, poeta nascido em Limoeiro - Pernambuco, em 1925, e falecido (?) em 19.....
Sextilha de Severino Amaro Guimarães (Biró):

Sextilha do cantador repentista cego Clemente, poeta nascido em ................ - ......, em ........, e falecido (?) em 19.....
Colega não vá brigar
Sextilha do cantador repentista Zito Siqueira, poeta nascido em ................ - ......, em ........, e falecido (?) em 19.....

Sextilha do cantador repentista Antônio Piancó Sobrinho, poeta nascido em Itapetim - Pernambuco, em 27.12.1921, e falecido em 05.01.1991.

*
Branca, preta, pobre ou rica,
Toda mãe pra Deus é bela;
Acho que a mãe merecia
Dois corações dentro dela:
Um pra sofrer pelos filhos;
Outro pra bater por ela.
Sextilha do cantador repentista José Alves Sobrinho, poeta nascido em Picuí - Paraíba, em 1921, e falecido em 20.....
Dois aniversariantes
Em idades diferentes:
O pai entre os adultos,
O filho entre os inocentes;
O pai mudando os cabelos,
E o filho mudando os dentes.
Uma sextilha de José Adalberto:
Quando as lágrimas flutuantes
Afogam meus aperreios
Subindo demais o nível,
Deixando meus olhos cheios,
É a ressaca das ondas
Dos sofrimentos alheios.

Septilha do cantador repentista Seu É, poeta nascido em ...... - ...., em 19...., e falecido (?) em 19..... Esta interessante sextilha que se segue foi extraída do fantástico livro intitulado Dicionário Temático da Poesia Popular Nordestina - 2012, de autoria do jornalista e escritor paraibano de Campina Grande, poeta Rui Vieira.
Eu tenho vários amigos,
Desses de pé de balcão
Que depois que tomam uma,
Dão abraço, apertam a mão,
Mas depois me deixam a esmo;
Só conheço amigo mesmo
Nas horas de precisão.
Sextilha do cantador repentista Heleno Severino, poeta nascido em Santa Cruz do Capibaribe - PE, em 1948.
A criança desprezada
No lugar que chega diz:
Pai me gerou, mãe me teve,
Pai me enjeitou, mãe não quis,
Pai tem outra, mãe tem outro,
Só eu que vivo infeliz.
A Diferença
Do tempo de inverno, fartura e bonança.
Depois veio a seca, fugiu-me a esperança
Deixando-me assim, de tristeza tão rude.
Vi secos os rios, fontes e açudes.
E eu que gostava tanto de pescar,
Saí pelo mundo tristonho a vagar,
Fui ter numa praia de areias branquinhas
E vendo a beleza das águas marinhas,
Cantei meu galope na beira do mar.
Fitando a beleza do mar, do arrebol,
Bonitas morenas queimadas de sol,
Alegres ouviram cantar meus amores.
O vento soprava com leves rumores,
O pinho a gemer, depois de chorar.
Aquelas morenas à luz do luar
Me davam impressão que fossem sereias,
Alegres, risonhas, sentadas nas areias,
Ouvindo os meus versos na beira do mar.
Caboclo vaqueiro de grande bravura,
Vestido de couro, na mata mais dura,
Entrar pelo mato e pegar o barbatão,
Ficava pensando, na minha impressão:
Não há quem o possa, em bravura igualar;
Mas depois que vi o praiano pescar
Numa frágil jangada, ou barco veleiro,
Achei-o tão bravo, tal qual o vaqueiro,
Merece uma estátua na beira do mar.
*
O pescador se aproveita
Vendo a praia como se enfeita
Vendo o mar como se agita
Ora calmo ora se irrita
Como panteras ou pumas
Depois se desfaz em brumas
Por sobre as duras quebranças
Frágeis, fragílimas danças
De leves flocos de espumas.
Nunca pensei na velhice
Mas a danada chegou,
E o seu fantasma me disse
Que o tempo bom acabou;
E o mesmo tempo sisudo
Me quis despojar de tudo
Desmoronando os meus planos;
E pra maior pesadelo,
Jesus pintou meu cabelo
Com a tinta branca dos anos.
O tempo passa veloz
Deixando tudo em desgraça;
Nós nem pensamos em nós,
Tão veloz o tempo passa;
Eu mesmo em mim só pensei
Depois que velho fiquei,
Depois de mil desenganos;
Já não represento nada,
Tendo a cabeça pintada
Com a tinta branca dos anos.
Tudo na vida se acaba,
A mocidade também,
A juventude desaba
Quando a caduquice vem;
Sinto que a morte me afronta
E que a consciência conta
O meu tempo entre os humanos;
Vejo os meus dias contados
Nos meus cabelos pintados
Com a tinta branca dos anos.
Sextilha do cantador repentista Antônio Marinho, poeta nascido em São José do Egito - PE, em 1887, e falecido em 1940.
Deus salve os antepassados
Que já foram como nós;
Foi aqui que nossos pais
Pisaram em nossos avós;
Nós pisamos nossos pais,
Nossos filhos pisam em nós.
*

Já com a vista cansada
E sendo numa distância
Daqui pra aquela calçada
Mulher inda vejo o vulto
Mas homem eu não vejo nada.
Canhotinho glosando o mote: "A vereda da vida é tão penosa, que me assombro com as curvas que ela faz"
Sextilha do cantador repentista João Benedito, poeta nascido em Esperança - PB, em 1860, e falecido em 1943.

Sextilha do cantador repentista Luiz Campos, poeta nascido em Mossoró - RN, em 1934, e falecido (?) em 19.....

Além de feia, aleijada;
Se um dia acontecer
Dela morrer na estrada,
Urubu só come ela,
Se ela morrer emborcada.

*

Sextilhas do cantador repentista Otacílio Batista, poeta nascido em Itapetim - PE, em 1924, e falecido (?) em 19.....
Eu já não suporto mais
Do tempo tantas revoltas;
Prazer, por que não me prendes?
Mágoa, por que não me soltas?
Presente, por que não foges?
Passado, por que não voltas?
*


*
Versos de Quintino Cunha, poeta nascido em Itapajé - Ceará, em ......, e falecido (?) em 19.....
Na história da teimosia
Décima de Efigênio Moura, poeta nascido em Prata - PB, em ......, e falecido (?) em 19.....
Ai, morena, se tu me desse
Décima do jornalista e escritor Rui Carlos Gomes Vieira (Rui Vieira), poeta nascido em Remígio - Paraíba e radicado em Campina Grande (PB) desde a década de 50. Esta comovente e belíssima décima que se segue foi extraída do fantástico livro intitulado Dicionário Temático da Poesia Popular Nordestina - 2012, de autoria do poeta Rui Vieira.
Mamãe, lá no céu tem pão?
Uma belíssima estrofe do poeta Catulo da Paixão Cearense:
Apois os cabelo dela
Décima de autoria desconhecida, e que tomei conhecimento por intermédio da poetisa Mariana Teles:
Há tempos venho sofrendo
O autor desta sextilha glosada, cujo mote vê-se nos dois últimos versos, é José Adalberto, poeta nascido em Itapetim - Pernambuco:
Mesmo ninguém sendo isento
O autor destes belíssimos versos é o cantador repentista Diniz Vitorino, poeta nascido em Monteiro - PB, em 1940, e falecido em .....19.....
Filho meu, nunca faças o que eu fiz
São também de Diniz Vitorino este sentido soneto feito em homenagem ao extraordinário cantador repentista Pinto do Monteiro, conterrâneo seu, por ocasião de seu falecimento:
Velho amigo, foi triste, muito triste
Eu quero vortá,
Num sei que rumo tomá.
Dispois de tanto girá...
Isqueci ou discunheço,
O meu primêro inderêço,
A luz de onde eu fui brotá.
Hoje que tudo me arrasa
Eu quero vortá pra casa,
Mas num sei... como vortá.
Toda criança deve de trazê
Um cartão dipindurado
A mode informá um sordado
No caso de se perdê.
Eu saí lá do sertão
Entrei nessa murtidão
Que atravanca esse planeta,
Sem um cartão,
Sem uma plaqueta,
Sem quarqué indicação.
Tonto fiquei... num sei vortá
Os caminhos são escuro,
Cheio de ingano,
Tenho já 80 ano
E ainda num sei falá!
Os meus semelhante,
Se assim eu posso chamá,
Os caminhante, os circunstante,
Já quisero me ajudá.
Na nossa forma de vida
É costume ter piedade
Duma criança perdida,
Tonta e estranha na cidade.
Todo mundo tem dó de mim
Pruque ter dó é humano.
Todo mundo é humano,
Marcado pro mermo fim.
Já quisero me levá pra casa,
Quisero sim!
Pro meus pais, pro meus mano,
Mas eu com 80 ano,
Num sei dizê de onde vim.
Papai me manda um recado!
Mamãe manda um empregado
Que sabe bem o caminho.
Eu só sei que tô sozinho
Como quando aqui cheguei.
Diz que se nasce... é chorando,
Pruquê assim é que se nasce,
Eu acho inté que nem mudei,
Pois num é qu’eu discunheça
Que cheguei feio e enrugado
Sem cabelo na cabeça,
Piquinininho, desdentado.
Ah pois bem! Esses mermo dado
Me serve agora, como já serviro.
Os meus cabelo caíro,
Os meus dente se acabaro,
E as rugas... se elas sumiro um dia,
O certo é que elas vortaro.
E quanto a eu vivê chorando
Eu posso dizê também
Que choro de quando em quando,
E choro como ninguém.
Ah! Mamãe grita: Zezinho!
Grita: Ô menino! Meu pai.
A mãe chama, o filho vai,
O pai chama, esse é o caminho.
Mas eu... eu apuro os ouvido
E um triste silêncio cai!
Tô perdido, perdido,
Não tenho nem mãe nem pai.
Vivo ? é... acho que tô vivo,
Mas tão sem objetivo,
Entre quem vem ou quem vai.
Nada me dá um motivo,
Nada me prende ou me atrai,
Nada me empurra ou me abrasa
Pra mode eu continuá.
Eu quero vortá pra casa,
Pouco amor, fé muito rasa.
Papai, mamãe sem me chamá,
Eu quero vortá pra casa,
Mas esqueci o lugá!
No cordel 'A VIDA DE CANCÃO DE FOGO E SEU TESTAMENTO', de Leandro Gomes de Barros (Pombal/PB, 1865-1918), vê-se uma passagem engraçadíssima. Estando Cancão de Fogo já moribundo, mandou que trouxessem o juiz e o escrivão até o seu leito de morte, sob o pretexto de que precisava que lavrassem o seu testamento. Como, porém, se tratava de uma simulação de testamento, do qual constavam também essas duas autoridades como beneficiárias, foi a oportunidade derradeira que Cancão colheu para enganar sabichões espertalhões pela última vez em seu prol e de sua família, e ainda tentar se conciliar com o Evangelho Cristão e com o Todo Poderoso. Depois de morto Cancão, o escrivão, vendo-se igualmente ludibriado, foi queixar-se à viúva do falso testador, que ainda logrou ver cumpridas as suas últimas vontades por parte dessas autoridades que, além disso, despenderam recursos próprios para fazê-las. Foi então que ela deu a saber ao escrivão a verdadeira razão da presença dele e do juiz no leito de morte de seu marido:

Quando estava aqui prostrado
Porque queria imitar
O Cristo crucificado...
Queria morrer também
Com um ladrão de cada lado!
Como sabe, as pessoas
Estando perto de morrer
Sentem, às vezes, remorso
E temem de se perder
Dizem que, no outro mundo
A pessoa há de sofrer.
O doutor não viu o frade
Vir também por sua vez?
E não viu o meu marido
Que barulho logo fez?
Disse: "eu chamei dois ladrões,
Pois não preciso de três".
Poema belíssimo do inspirado Dedé Monteiro, poeta nascido em Tabira - PE, em 1949.
FIM DE FEIRA
Um caminhão se balança;
Quem vem de fora se lança
Em cima do caminhão;
Um ébrio esmurra o balcão
No botequim da esquina;
O gari faz a faxina,
Um cego ensaca a sanfona,
E um vendedor dobra a lona
Depois que a feira termina.
Milho, feijão e farinha,
Bode, suíno, galinha,
Miudeza, rapadura;
É esta a imagem pura
De uma feira nordestina
Que começa pequenina,
Dez horas não cabe o povo;
E só diminui de novo
Depois que a feira termina.
Muito apressado entra alguém
Mas sai vexado também,
Se não o carro lhe deixa;
O padre gordo se queixa
Do calor que lhe domina,
E agita tanto a batina
Que quem vê fica com pena;
Toca o sino pra novena
Depois que a feira termina.
Sentada a seus pés, num beco,
Comendo um pão doce seco
Diz: papai, coma comigo.
E o velho pensa consigo
- Meu deus, mudai sua sina
Pra que minha pequenina
Não sofra o que eu sofro agora;
Ri a filha, o velho chora
Depois que a feira termina.
Da beira de uma calçada,
Chupando uma manga espada
Pra servir de almoço e janta;
Um boi de carro se espanta
Se o motorista buzina;
Um velho fecha a cantina,
Um cachorro arrasta um osso,
E o pobre “asavessa” o bolso
Depois que a feira termina.
Chega atrasado na feira,
Não compra mais macaxeira,
Nem batata, nem banana;
Empurra a cara na cana
Pra esquecer a ruína;
Arroz, feijão, margarina,
Açúcar, óleo, salada,
Regressa e não leva nada
Depois que a feira termina.
Das cinco e meia em diante,
Não tem um pé de marchante
Mas mosca tem à vontade;
Um faxineiro abre a grade,
Tira uma mangueira fina,
Rodo, pano, creolina,
Deixa tudo uma beleza
Mas só começa a limpeza
Depois que a feira termina.
Já tendo fechado a mala,
Escuta o rapaz que fala
Do outro lado da mesa:
- Meu senhor, por gentileza,
O senhor tem brilhantina?
Ele diz com voz ferina:
- Aqui na mala ainda tem
Mas eu não vendo a ninguém
Depois que a feira termina.
Magro que só a desgraça,
Quando vê que a feira passa,
Vai pra frente do mercado;
O endereço ao danado
Eu não sei quem diabo ensina;
Eu só sei que baixa a crina
Entre as cinco e as cinco e meia
Lancha, almoça, janta e ceia
Depois que a feira termina.
Conta-nos o poeta Antônio Marinho Neto que, numa cantoria em que se enfrentavam João Furiba e Lourival Batista (Louro Pajeú), Furiba, por ser muito tarde da noite, fez menção de deixar o recinto, cantando a seguinte sextilha:
Meu colega Lourival
Acho que já vou embora
Já é quase meia-noite
Breve vai dar zero hora
E eu não quero dar massada
À mulher que me adora.
Louro, espirituoso, viu uma oportunidade de provocar Furiba, com essa sextilha:
Furiba, não vá agora
Com essa garota sua
Pois lá fora tem malandro
Que bole até com a lua
Carrega ela e lhe deixa
Vagando só pela rua.
Aí, Furiba não deixou barato -- e retrucou:

Ficar em casa sozinha
Você entra pela sala
O outro sai pela cozinha
Eu pra não correr perigo
Pra onde vou, levo a minha.
E prossegue Antônio Marinho Neto, dessa vez contando que, quando Ariano Suassuna começou a fazer soneto, foi no tempo em que ele estava conhecendo Dimas Batista, poeta e repentista de São José do Egito. Impressionado com a cultura de Dimas, com os sonetos bem feitos dele, Ariano começou a fazer um soneto e cuidou de referir o fato ao poeta admirado. Depois de uns três meses, dizia: "Dimas, estou em tal linha". Aí, uns quatro meses depois, voltava a dizer: "Dimas, estou em tal linha". Os encontros foram se sucedendo e, no fim, quando Ariano mostrou o soneto acabado a Dimas, este deu uma olhada no produto e, de improviso, disse:
Eu muito admiro o poeta da praça
Que passa dois anos fazendo um soneto
Depois de três meses termina um quarteto
Com todo esse tempo, ainda fica sem graça
Com tinta e papel o esboço ele traça
Contando nos dedos pra metrificar
Que noites de sono ele perde a estudar
Pra, no fim, mostrar tão minguado produto
Pois desses eu faço dois, três num minuto
Cantando galope na beira do mar.
O autor desta bela sextilha é o cantador repentista Rogério Menezes, poeta nascido em Imaculada - PB, em 19....
Quando a mulher é humilhada
Por alguém que ela ama,
Sente como se tivesse
Sido jogada na lama.
E a terra bebe tremendo
As lágrimas que ela derrama.
O autor desta comovente décima é o poeta Delmiro Barros.
O pássaro faz cantoria
Sem cobrar nada a ninguém.
Na sua cantiga tem
Essência de poesia.
Eu acho uma covardia,
Falta de compreensão
Colocar no alçapão
Um passarinho indefeso.
Solte o pássaro, fique preso,
Pra saber o que é prisão.
A autora deste magnífico martelo agalopado é Isabelly Moreira (Belinha), poetisa nascida em São José do Egito-PE, em 1993.
No ensino de Cristo temos visto
O exemplo da planta da caatinga:
Fica seca, emurchece, mas não morre.
Com um pouco de chuva, logo vinga
Mais bonita, mais forte, mais robusta.
E quem vê nem cogita o quanto custa
Resistir na quentura do seu chão.
Mas não há seca brava que lhe vença,
Pois no fundo ela sente a recompensa
De florir mais amor, ao ser sertão.
O autor destes versos extraordinários é Leandro Gomes de Barros, poeta nascido em Pombal-PB, em 1865, e falecido em 1918.
Se eu conversasse com Deus,
Iria Lhe perguntar:
Por que é que se sofre tanto
Quando se chega pra cá?
Que dívida é essa que o homem
Tem que morrer pra pagar?
Perguntaria também
Como é que Ele é feito,
Que não dorme, que não come,
E assim vive satisfeito.
Por que é que Ele não fez
A gente do mesmo jeito?
Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto,
Nascidos do mesmo jeito,
Criados no mesmo canto?
Quem foi temperar o choro,
E acabou salgando o pranto?
As septilhas abaixo, que tive a alegria de encontrá-las, garimpando o Instagram, são de autoria da poetisa Anne Karolynne, natural de ....
Como falar de direitos,
Falar de democracia;
Como é que a gente fala
De exercer cidadania
Em uma sociedade
Que faz tanta atrocidade
Com homo-trans-negrofobia.
O que vejo é intolerância,
Muita discriminação;
Para os pobres o que vejo
É a criminalização;
Negros, jovens descartáveis...
Parece até imprestáveis,
Num contexto de exclusão.
Como garantir direitos
Pra quem é coisificado;
Pra justiça, pra polícia,
Ele é criminalizado;
Mas ele é um cidadão,
Precisa de atenção
E também de ser cuidado.
O autor desta concisa e inteligente décima --- preferências político-partidárias à parte --- é o cantador repentista Francisco Oliveira de Melo, mais conhecido como Oliveira de Panelas, poeta nascido em Panelas-PE, em 1946.
Constituição rasgada
Pra tirar a presidente.
Uma mulher inocente,
Sem provas foi condenada.
Tinha conduta ilibada.
O Congresso não podia
Julgar Dilma nesse dia,
Porque era réu confesso.
Toma vergonha, Congresso!
Respeita a democracia!
O autor destes sentidos versos é Severino Cavalcante de Albuquerque, poeta nascido em Remígio - PB, em 1926.
Vi prolongado verão
Se abater sobre a terra;
E vi na baixa e na serra
Só folhas secas no chão.
As árvores sem condição
De resistir ao calor;
E o sol com todo furor
Fazendo as águas secar.
Sem pão, sem água e sem lar
Vi sofrendo o pecador.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
I -
Deus não fez Eva, ao pensá-lo,
Da cabeça de Adão,
Pois não foi Sua intenção
Criá-la pra governá-lo;
Nem de onde nasce o calo,
Pra que a não fosse pisar.
Da costela a foi criar
Para ser sua companheira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Com a costela – disse -- a Faço
Pr’ela ser igual a ele,
Porque fica dentro dele,
Bem debaixo de seu braço,
Que a protege com o abraço;
E pr’ele mais a amar,
Próximo ao coração está
A costela que Escolhera.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Mas um pensador cristão
Diz: Deus, pra Eva criar,
Não teve de retirar
Costela nenhuma não.
Apenas levou Adão
A um sono bom de lascar,
Pra do sonho então brotar
A criatura alvissareira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Pra ser igual a Adão,
E igual em dignidade,
Deus, visando a igualdade,
Dotou Eva da razão,
De paixão, de emoção;
Mas, para a identificar,
Deu-lhe o dom de engravidar,
Sendo assim a mãe primeira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Contam que no paraíso,
Que é monotonia, o tédio
Bateu, e sem um remédio,
Fora o choro ou o louco riso,
Eva vê que é preciso
Fazer algo pra mudar;
Então ela vai tentar
Adão, chegando faceira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Se a natureza a criou
Com o dom de reproduzir,
Por que não ia atrair
Aquele a quem completou?
Por isso que Eva ousou
A peça íntima inventar;
E a tanga a sensualizar
Fez de folha de parreira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Eva ali com a folha faz
Que Adão fique curioso;
Depois se torne ansioso
Pra ver o que tem atrás;
E com a mão boba, o rapaz
Deslize a folha, ao tocar,
Para a serpente o picar
E pensar logo em besteira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Eva, a primeira mulher,
Dá à luz Caim e Abel.
E se está no seu papel
Conceber, quando o puder;
E se a natureza o quer,
Ela não pode pecar,
Que o céu não pode culpar
Quem não nasceu pra ser freira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Depois de ter com Adão
Os dois meninos gerado,
Eva comete o pecado
De não trazer sempre à mão
Um tipo de cinturão,
Pra Caim se intimidar
E ao seu irmão não matar
Com a inveja traiçoeira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
II -
Não conto agora de Helena,
Nem de Lucrécia ou Dalila,
Que não acaba essa fila,
Das poderosas em cena;
Nem d’outras que vale a pena
Na Ciência ou n’Arte lembrar.
A história que vou glosar
É de u’a mãe trabalhadeira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
II - a
A mãe fora abandonada
Por um marido boêmio,
Que nunca viu, como um prêmio,
Filhos e mulher honrada.
E a pobre, sacrificada,
Toma a frente do seu lar
Para só se dedicar
Aos filhos pra vida inteira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Mas o filho a faz de besta.
Como o pai, tem sua mania.
Na roleta se vicia,
E perde o qu’inda lhe resta.
Mas tem agiota que empresta
Porque a mãe vai lhe pagar
Com a grana que vai ganhar
Com o extra de costureira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Um dia qualquer ele furta,
Por precisar sustentar
O vício que é de jogar.
Se não jogar, ele surta.
Por ter a memória curta,
Vai outra vez apostar,
Inda mais se endividar;
E a mãe vende a geladeira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
E o pior inda viria:
Vai roubar um passageiro
Que é polícia o tempo inteiro,
Que o leva à delegacia.
E a suada economia
Da sua mãe o vai soltar.
Por mais u’a prova passar,
Que ser mãe é uma pedreira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
A mãe de novo o aconselha
E acha que agora ele muda.
Em casa vê uma muda
De uma planta, que espelha
Sua esperança de velha.
Se ele quis dela tratar,
É pra se regenerar
E viver de outra maneira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Mas alguém denunciou
Que o filho vende maconha.
E a mãe, com enorme vergonha,
Para a polícia falou:
Solte meu filho, doutô,
E me prenda em seu lugar,
Pois se alguém deve pagar,
Que me leve a carcereira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Da cadeia o filho sai,
E parece que se arrepende:
Se ao vinho do padre se rende,
No vício do álcool ele cai.
Agora a sua mãe já vai
Pedir pr’ele a perdoar.
Diz ele: mãe, vou mudar…,
Mas antes a saideira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Marieva se chamava
A mulher que muito amou.
Como Eva ela pecou,
Que limites não traçava.
Se Santa Maria penava
Pelo Filho sem pecar,
A mãe sofria com o penar
Do filho na sua cegueira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
II - b
Agora é a filha que sai
E volta de madrugada;
Chega um pouco alterada;
Grita pra mãe: cadê pai?
E quase que a pobre cai,
Sentindo o peito apertar,
Porque não sabe onde está
Quem jamais lhe deu a feira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Anda a filha revoltada,
E acusa a mãe de traição.
A mãe diz: não é a razão
D’eu ter sido abandonada.
E espera que a filha errada
Inda a possa perdoar,
Que nada vai lhe faltar,
Que ela é sua amada herdeira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Tendo a filha abandonado
Os afazeres de casa,
Diz na cara da mãe: vaza!
Que espero meu namorado.
E dado assim o recado,
A mãe vai se desculpar,
Que vai ter de se ausentar,
Pra não servir de barreira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Estando a filha à vontade,
Depois que à sua mãe mentiu,
Ao dizer que era um edil
Que a amava de verdade…,
Deu a ele a liberdade
Para delas abusar,
E ainda se aproveitar
Com a fama da carreira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
O resultado, porém,
Veio após os nove meses.
E, como das outras vezes,
O malandro era um ninguém
Que não tinha um vintém
Para a criança ajudar.
Mas é a vó que vai cuidar
Com a função de camareira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Na luta a mãe sobrevive,
E já está muito cansada.
A neta nasce enjeitada,
Que a filha diz: não a tive
Pra que ela me cative
E eu fique sem badalar,
Pois não iria aguentar
No meu lombo essa madeira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
II - c
E tanto a mãe já padece
Que o coração não aguenta.
Mesmo assim ainda tenta
Não cair, mas desfalece.
Ao despertar, não se esquece,
Já prestes a se operar,
Que é preciso então deixar
U’a mensagem derradeira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Os filhos, disse a anciã,
Não são da mãe nem do pai.
Mas nem por isso se vai,
Contra a ética cidadã,
Ter filhos para amanhã
À própria sorte os largar.
Se o são da vida --- o criar
É só pra mãe verdadeira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Pressentindo o fim da vida,
A mãe roga a Deus sua cura,
Porque, mesmo a essa altura,
Inda espera que sua lida
Salve sua filha perdida,
E o filho do seu penar.
E o exemplo que deixar,
Tem fé que ao menos um queira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
III -
Que fazer a mãe iludida?
Uma autocrítica segura.
Porque, já a essa altura,
De nada serviu sua lida:
Não salvou a filha perdida,
Nem o filho, que a faz penar.
E o exemplo que deixar
Nenhum dos dois há que queira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
E o que de errado a mãe fez
Para ter sofrido tanto?
E tanto esgotou seu pranto
Que da dor não se refez.
E, pela última vez,
Pediu a Deus pra poupar
Sua netinha a chorar
Pela mãe que a esquecera.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Como Eva, a mãe não quis
Usar da autoridade
Que na oportunidade
Corrigiria o infeliz.
Mas é como o vulgo diz:
Se da mãe não apanhar,
Não vai se intimidar
Pra não rolar na sujeira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Amor demais é veneno.
Muitas vezes dizer não
É a melhor decisão.
Como diz o Nazareno:
É cultivar o terreno
Para o bem se acomodar,
E o filho se influenciar
Com a educação altaneira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Sempre é tempo de ir à luta.
Vai, em Gorki, a mãe idosa;
Tal como, em Guimarães Rosa,
Diadorim jovem labuta.
E não tem a força bruta
Poder para as cercear;
Só doença pr'as derrubar,
Que o tempo não dá rasteira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Mas pr'essa mãe já é tarde,
Que o mau tempo a subjugou.
Seus últimos dias passou
Presa a outra realidade:
À impotência, não da idade,
Mas da inércia muscular
Em um corpo a definhar,
Inválido numa cadeira.
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Ser mãe, mas mãe de verdade,
Não é apenas dar à luz,
Nem jogar sobre Jesus
A responsabilidade,
Dizendo que a divindade
É o melhor pai pra criar.
Ser mãe é o dom de cuidar.
Mãe foi a ama "leiteira".
A mulher é uma guerreira
E não desiste de amar.
Décima de Almir Lyra, autor deste blog:
No ABC se formou
Usando o terno do pai;
Hoje, já não bem lhe cai,
Que o paletó apertou.
E os livros que o pai legou
Também não lhe servem mais,
Que o tempo deixou pra trás:
Pai, livros e terno... E o cinto?
Vem desde o ABC! E sinto
Que foto em posse inda faz!
Décima de Almir Lyra, autor deste blog:
Um dia no meu lar houve uma batida.
As forças logo levaram-me preso.
Mas não foi da lei que senti o peso
(Foi abuso, injustiça cometida!).
O que deixou-me a alma combalida,
O que me causou profundo desgosto
Foi a calúnia d'um irmão suposto,
Que era o meu porto, meu farol e abrigo.
O sinal da traição do meu amigo
Foi um beijo que ele me deu no rosto.
O autor destas sextilha e décima é Leonardo Pereira Alves, mais conhecido como Leonardo Bastião, poeta nascido em Itapetim - PE.
A sombra que me acompanha
Não é a que me socorre.
Se eu andar, ela anda;
Se eu correr, ela corre.
E é mais feliz do que eu:
Não adoece nem morre.
Com dez anos eu sabia
O que era verso e rima.
Me criei pisando em cima
Da terra da poesia.
Fiz glosa e fiz cantoria;
Glosei pouco e cantei ruim,
Que esse lugar é assim:
Pra fazer verso adoidado
Basta só ser batizado
Na matriz de Itapetim.
ZOLIMPÍADAS DO SERTÃO
Sonhei com as zolimpíadas
Chegando no meu sertão
Foi o maior espetáculo
Que se viu na região
Tinha gente que só a peste
Lá das brenhas do nordeste
Chegando de caminhão.
No desfile de abertura
A bandeira nordestina
Toda feita de retalhos
Pelas mãos de Severina
E eu ali, de camarote
O bode virou mascote
A tocha era a lamparina.
A nossa delegação
Pra conquistar os louros
Desfilou de guarda-peito
Gibão e chapéu de couro
E enfrentando a batalha
Conquistou muita medalha
De bronze, de prata e ouro.
Quem carregou a bandeira
Foi Ritinha de Zé Bento
Já a pira foi acesa
Por Tõím de Livramento
Nosso atleta principal
E recordista mundial
Do hipismo de jumento.
Antes das competições
Um lanche bem reforçado
Com buchada, cajuína
Rapadura e milho assado
Fava verde com galinha
Sarapatel com farinha
Angu com bode guisado.
Nas águas do Velho Chico
As provas de natação
Os pulos ornamentais
De cima de um paredão
Ginástica num terreiro
Remo e vela num barreiro
E judô num palhoção.
A maratona, seu moço
Era por nossas estradas
Atravessando os riachos
Nas veredas, nas quebradas
Da paisagem nordestina
Ao som do galo-campina
E da patativa golada.
Na competição de tiro
Os velhos de bacamarte
Pé de bode, granadeira
Vestimenta de zuarte
E davam cada pipoco
Do sujeito ficar mouco
De se ouvir em toda parte.
A prova de atletismo
Conhecida por carreira
De cem e duzentas léguas
Com barreira e sem barreira
Foi por dentro do cercado
Atravessando um roçado
Pelo mêi das capoeira.
Os saltos, lá no sertão
Eram provas de pinote
De riba de uma barreira
Num pedaço de caixote
O cabra de lá pulava
Num açude tibungava
Caindo feito um caçote.
O jogo de futebol
Se jogava sem chuteira
Num campo de chão batido
No alto d'ua ribanceira
As traves de barandão
O campo sem marcação
No calor e na poeira.
Levantamento de peso
Quem ganhou foi Bastião
Cinco sacos de farinha
Três arrobas de algodão
Pois esse peso todinho
Ele levantou sozinho
E se sagrou campeão.
O arremesso de pedra
Quem ganhou foi Expedito
No tiro com baladeira
Carmelita fez bonito
E já na queda de braço
O ouro foi pra Inaço
E a prata pra Benedito.
Fizeram de três batentes
Pódio pra premiação
Com uns ramos de onze-horas
Era a coroação
E numa latada de lona
Asa branca na sanfona
Completava a emoção.
E assim eu me acordei
Com orgulho do sertão
Desse povo vencedor
De tão grande coração
De história tão sofrida
Que nas batalhas da vida
Nasceu pra ser campeão.
Décimas de Almir Lyra, autor deste blog:
Mote: Como de costume, a gente
Na rotina a enxugar gelos.
Me levanto e a procuro
Porém, ela não acorda
Puxo o lençol pela borda
Para a cobrir, com apuro
Que o frio que sinta, eu juro
Riça de medo os meus pelos
Minha mão os seus cabelos
Acaricia suavemente
Como de costume, a gente
Na rotina a enxugar gelos.
Quase que apesar de mim
Faço nela esse carinho
Como sempre, em nosso ninho
Ela reage assim:
Vira-me as costas, enfim
Não se rende aos meus apelos
Mas cultivo os meus desvelos
Quase automaticamente
Como de costume, a gente
Na rotina a enxugar gelos.
Então, me visto depressa
Deixo o quarto pé ante pé
Sozinho, eu tomo o café
Saio, em silêncio e com pressa
Que estou atrasado à beça
São pontuais desmantelos
Regras não vão desfazê-los
Que hábito é coisa potente
Como de costume, a gente
Na rotina a enxugar gelos.
O céu tá cinza lá fora
Sinto frio, levanto a gola
O dia inteiro me amola
Vou fingir, vou fazer hora
Vou mesmo rir, e não demora
Vou viver meus pesadelos
Desencontros, atropelos
Contratempos do presente
Como de costume, a gente
Na rotina a enxugar gelos.
Mas o dia terminado
Eu voltarei da minha ‘gaza’
Como de hábito, ela de casa
Terá ido, e não voltado
Não ficarei revoltado
Pois não vejo desmazelos
Não se conseguem degelos
Num peito frio e descrente
Como de costume, a gente
Na rotina a enxugar gelos.
Sozinho, eu vou me deitar
Nessa grande cama fria
As lágrimas do dia a dia
Pra esconder vou me esforçar
Mesmo à noite, eu vou tentar
Não ter dor de cotovelos
Com tácitas regras modelos
Vou fingir não tê-la ausente
Como de costume, a gente
Na rotina a enxugar gelos.
Enfim, ela voltará
E eu, então, a esperarei
Nisso já me acostumei
Ela vem, me sorrirá
Depois me abraçará
E embora abraços vou tê-los
Do pescoço aos tornozelos
O iceberg é resistente
Como de costume, a gente
Na rotina a enxugar gelos.
Martelo agalopado de Almir Lyra, autor deste blog, inspirado no cego que mascava chicles, do conto 'Amor", de Clarice Lispector:
Mote: Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
Toda criança normal vai gostar
De bombom, pirulito, coisa doce
Vai morder e triturar como se fosse
Vir o pai, de repente, pra tomar
Tem guloseima que é só pra chupar
Que pode ter ou não ter um palito
Mas a que é pra mascar, o pequenito
Vai ter de se esconder no toalete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
O pai até dá essa guloseima
Um chupa-chupa com um chicle que cora
Porém, diz pro moleque jogar fora
A goma de mascar, mas se ele teima
A lapada que leva, o couro queima
Por ter mordido o chiclete maldito.
É a norma do pai que gera o delito
Que da ignorância ele é marionete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
Depois que a meninada curiosa
Vê a mágica do chiclete acontecer
Não tem como não invejar o prazer
De encher com a boca u’a bola formosa
Que a luz refletindo a torna pomposa
Com cores da íris do arco bendito
A Terra é uma bola e nela tá escrito:
Lidar com as bolas é o que nos
compete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
Brincar com uma bola é bom pra saúde
Jogar futebol com bola de meia
Tênis de mesa e vôlei de areia
Basquete, sinuca e bola de gude
Dente de leite no leito de açude
Bola de couro pra um drible bonito
Só a bola do chicle gera um conflito
Que pode acabar num grande bufete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
A bola do globo é para estudar
A esfera de aço é pro rolamento
A bola da lua tá no firmamento
A bola do olho é pra enxergar
As bolas pro cão, pro gato emprenhar
Bola é o quengo do homem erudito
Só a bola do chicle porta esse mito
Que deixa é aflito o pai do pivete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
A lenda que acompanha gerações
Que proíbe, disciplina e controla
Não vingou, que a turma disse: não
amola
Isso não pode oprimir corações
Já Woodstock com as suas canções
Disse aos jovens: não liguem pr’esse
mito
Que fumem, que bebam e masquem o dito
Chicle de bola, que é feito em
tablete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
O pai, na sua ignorância, tem medo
Que o menino engula aquela borracha
Ele compra, e só dá porque não acha
Um doce de puxa de lamber o dedo
Mas o vendedor, que guarda um segredo,
Não conta pro pai, que o deixa aflito
É que ele defende o chicle proscrito
Pois vende tanto que enche a pochete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
O filho sofreu com a má influência
Ficou dessa vez tão sugestionado
Que a neura do pai, já tendo herdado,
Se manifestou na boba ocorrência
Chorou, que engoliu, e após a
imprudência
Pediu pro seu pai, com urgência, um
perito
Me salve, ou já, já meu corpo não
habito
Meu bucho precisa é de um canivete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
O pai não sabe é que nada acontece
Se for engolida a goma preguenta
Não é substância com que se alimenta
Mas dando bobeira, escorrega e desce
Porque, mastigando, a goma amolece
Já tá na goela – o pai diz: não
acredito!
Arregala os ói, aí solta um grito
Com as mãos na cabeça, se foi o
topete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
No desespero, esse pai se maldiz
Por que diacho comprei esse confeito?
E a dor da culpa que sente no peito
Que a vida do filho está por um triz
Deseja morrer por ser um infeliz
Pra ir com o guri pro céu infinito
Papa uma ruma de chicle, expedito
Que agrava os danos da sua diabete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
Já entre a vida e a morte, o infausto
pai
Descobre na UTI do hospital
Que engolir só a goma não faz mal.
Por causa do açúcar é que ele se vai
Pois da barriga a borracha já sai
Como as bolinhas do cocô do cabrito
Que o filho tá são, mas ele tá frito
E sua ignorância vai dar é manchete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
A goma só vai descer na garganta
Sem entupir o esôfago, que é o canal
Que leva ao estômago, que engole até
pau.
Não prega as cordas por onde se canta
Nem cola as tripas com o almoço e com
a janta.
Já na digestão, seguindo um só rito
No fim, sai o chicle que tava
constrito
No mesmo canal que passa a baguete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
Nunca vai ser possível alguém saber
Do quanto a santa ignorância é capaz
Não é só um ingênuo que se compraz
Em se fechar pro que não quer
entender
Na verdade, é um idiota pra temer
Crença absurda, e quem crê vai
interdito
Jamais se viu em nenhum manuscrito
Tal embuste, de baixar o
cassetete
Justo quando já vai dar no chiclete
O pai toma da boca o pirulito.
Martelo agalopado de Almir Lyra, autor deste blog, em homenagem ao seu amiguinho de patas:
O meu amigo não chamo de cão
E é só a ele que chamo de amigo
Na dor, na alegria tá sempre comigo.
Me dando a patinha, eu sinto é a mão
De um anjo que toca o meu coração
É o meu parceiro e está sempre por
perto
É o meu oásis em pleno deserto
Me abraça, me beija com suas lambidas.
Ah! como eu trocaria as nossas vidas
Pra que vivesse mais que eu, decerto!
Nem trato o meu amigo por cachorro
Que essa palavra só lembra uma ofensa
E o meu respeito tem base na crença
De que o meu amigo é que é meu
socorro
Só por ele me sacrifico e morro
É fiel, protetor e companheiro
Me alegra, me faz festa o dia inteiro
Mas também sabe escutar-me os
lamentos
Me olhando com ternura, esses
momentos
Evaporam ante um amor verdadeiro.
Meu amigo é o meu relógio de pelo
Se acorda com o canto dos passarinhos
Se sacode, se lambe, faz ruidinhos.
Com o focinho a cheirar o meu cabelo
Me chama pra atender ao seu apelo:
Irmos juntos ao passeio matinal
E, depois, jogar bolinha no
quintal
Assim, já começamos nosso dia
Compartilhando um com o outro a
alegria
De cuidar um do outro até o final.
Até o final da vida, meu irmão,
Que o nosso amor é incondicional.
Meu camarada eu chamo de ‘au au’
A gente brinca, se enrola no chão.
Se pega um osso, dá u'a de brabão
Finjo uma luta, mas vem o cansaço
E juntos dormimos no mesmo espaço
Eu sobre a cama; ele embaixo, de
banda
Que ele escolheu, pois o instinto
comanda
Mas um sem o outro não damos um
passo.
Lá vem meu amigo, a cauda abanando
Brinquedo na boca, todo contente
Às vezes, absorto, estou tão ausente
Mas ele, latindo, dá-me um comando
Aí volto a mim e fico pensando
Por que é tão curta a vida deste ser?
Talvez isso o leve a um intenso viver,
Que um tal sentido de urgência o toma
E, brincando, se ocupa em sua redoma
Pois não luta mais pra sobreviver.
Que essa necessidade de lutar
Dia após dia sem sequer ter descanso
Não faz mais sentido a um ser que é
tão manso
Que nem sabe mais o que é o caçar
Jamais poderia de novo matar
Nem que só fosse pra matar sua fome
E agora só dorme e brinca e come.
Por minha causa, que o tirei da
natura,
Desviou-se de sua essência mais pura
Mas se adaptou e até tem um nome.
Sei que o Pai Celeste tem os seus planos
Sei da perfeição de Suas decisões
Vinte anos de vida deu aos leões
Há tartarugas com duzentos anos
E porque Ele não comete enganos
Deu à espécie do meu amigo uns doze,
A beleza do porte e aquela pose
Comportado, com uns olhos de pidão
Dando a patinha por um taco de pão
Chega dá pena negar um pão doce.
Mas Deus me faz compreender a razão
Do pouco tempo de vida do amigo.
Se fico triste que seja exíguo
Sua brevidade me deixa u’a lição
Esse bichinho só me lembra do quão
Também é breve essa minha existência
Pra quê vaidade, pra quê opulência
Se é melhor viver na simplicidade?
Sua morte me põe ante a minha verdade
Sou pó e vou só, com a minha consciência.
Ele me mostra que a morte é real
Não sou eterno nem sou u’a semente
Que brota da terra com um mês de
ausente
Da vida efêmera do reino animal.
Ele ir primeiro que eu é o normal
Mas há um dilema que logo me invade:
Se antes eu for, parto dele a metade
Que os uivos mais tristes na noite
escura
Dará só velando a minha sepultura
E ele indo antes, morro é de saudade.
Lá no céu, seu tutor é São Francisco
Protetor desta amável criatura
Que mais parece, ao fazer travessura
Criança peralta atrás de um petisco
U'a eterna criança, às vezes arisco
Se lhe aponto a mangueira no quintal.
Sentido à minha vida deu-me este au au
Desde que Deus uniu nossos destinos
Vivemos felizes qual dois meninos
No perpétuo parquinho de Charle Brau.
6 comentários:
Olá gostei muito do blog.
Gostaria de saber se você conhece esta letra:
"QUANDO DEUS CRIOU O MUNDO CONFORME A BIBLIA REVELA FEZ O HOMEM SER DE BARRO E A MULHER DA SUA COSTELA PROVANDO QUE DESTA FORMA É ELE QUEM MANDA NELA"
Queria achar esta música...
Abraços,
O poeta presente, cordel de Rau Ferreira
À João [Benedito] Viana dos Santos
Nas ruas e praças desta cidade
Cantadores e violeiros de repente
Em sua simplicidade
Declamaram em voz corrente.
Um negro alto e valente
Cheio de lorota e fogosidade
Analfabeto e discrente
Da sua triste realidade:
Vejo a minha mocidade
Comparo o tempo presente
Que grande desigualdade
Que saudade a gente sente.
Ontem fui fogo ardente
Com o vigor da mocidade
Hoje o velho doente
Não encanta mais a sociedade.
Na sua fragilidade
Dominava o impulso da mente
E com tal sagacidade
Deixava a todos contente.
João Viana – de nascente,
João Benedito, de batisdade
Surgiu como o sol poente
Que se enche de luminosidade.
Um precursor indolente
Passou com a velocidade
E outros a sua historicidade
Trouxeram incansavelmente.
Não posso almejar felicidade
Ah! esse mundo está muito diferente
Amparai-me por bondade
Pois o tempo me é conveniente.
Sigo feliz e contente
Ouvindo da juventude a maldade
Vou rimando e fazendo repente
Enquanto não vem a mortandade.
Pois se há duas ambigüidades
- homem e tempo, seu contingente –
Muito mais há fatalidades
Em se viver eternamente.
Enfim não deixou parente
Apesar da sua longevidade
Nem tão pouco descendente
Que lhe desse continuidade.
As regalias sem irmandade
Delas querer gozar somente.
É a mais pura ingenuidade
Pensa o homem erroneamente.
De mãos vazias vem o decadente
E em toda a sua vaidade
Esquece o homem simplesmente
E vazio parte na igualdade.
Viveu portanto à marginalidade
Do seu tempo tão presente
Ganhou em si notoriedade
Dos cantadores e do repente.
A filosofia e a moralidade
Desta figura vivente
Encerramos na verdade
Que este livro lhe consente.
Rau Ferreira
gosto muito de poesias e a vocês
eu agradeço são poesias muito boas
e merecem todo respeito guando deus
vinhe na terra não se preocupem com
certeza ele tem seus endereços.
Aff! gostei demais, ri que chorei.
Ja tive oportunidade de visitar muitos blogs, mas igual a tamanha cultura que aqui se encontra, faço minha genuflexão e sinto-me honrado em aplaudir esta riqueza em conhecimentos na informação de cultura. Parabéns!
(Brincando de Zé Limeira)
A mulher veio do pó
Adão cortou-lhe as costelas
Trouxeram numa gamela
A cabeçorra de Jó
A mulher do faraó
Enforcou o Cristo rei
Se as mãos lavou, eu não sei
Quarenta 'dia' em jejum
Chegando em Cafarnaum
Pilóti elegeu-se rei!
Ladrão que rouba, é ladrão
Mulher que é namoradeira
Namora na sexta-feira
Emprenha no São João
Por onde passa o feijão
Por certo é que o sol não passa
Caninha, pinga e cachaça
'Pioi' de cobra e lacrau
Xerém, cuzcuz e curau
Banda de 'pifo' na praça!
O velho Vaz de Caminha
Foi poeta e carniceiro
Lá no Rio de Janeiro
Na favela da Rocinha
Criava porco e galinha
Plantava 'míi' di pipoca
Mosquito de muriçoca
Garrafada e "mé di abeia'
Mulher das unhas 'vermeia'
Surfista de pororóca!
Já disse o rei do cangaço
Sentado e pedindo a janta
Madalena não foi santa
promode perdeu o cabaço
Torcicolo no espinhaço
Diploma de deputado
Xerém de pirão assado
'Piscão'de xibiu de freira
Deus me livre, é sexta-feira
Adeus, já tô atrasado!
Foi num porto da Bahia
Que Dom João chegou bem cedo
Dava pra contar no dedo
A bagagem que trazia
Uma dúzia de bacia
Dois fardos de algodão
Gasolina de avião
Do café, trouxe a semente
Duas bíblias, uma de crente
Outra do Rei Salomão
Madame Helena de Tróia
Nunca gostou de cavalo
"Míi' verde bo, só no ralo
Peixe de rio: Pirambóia
Ferida de 'gonorróia'
Um sapo enrabando a rã
Valei-me, santa Inhansã
Dos males da ferradura
Dois metros de rapadura
'Toicin' de porca marrã!
Dilma Rousseff jamais
Dormiu c'Eduardo Cunha
Quebrou a ponta da unha
Coçando a "parte de trás"
Garrafada de açafrás
Cio de freira de convento
Cinquenta e cinco e quinhentos
Custou a faixa benzida
Noves fora; "tchau querida"
Saudando e ensacando vento!
O profeta Maomé
Foi demagogo em Angico
Traficava grão-de-bico
Cantava num cabaré
Foi homem de muita fé
Porém, jamais foi à missa
De manhã tinha preguiça
A noite sempre ocupado
Correndo de delegado
Sub-chefe de 'puliça'!
Postar um comentário