Glosas

GLOSAS, REPENTES E POEMAS CORDELISTAS


O autor da primeira estrofe é o cantador repentista Sebastião da Silva, poeta nascido em Pilõesinhos - Paraíba, em 1945; o autor da segunda estrofe é o cantador repentista Odilon Nunes de Sá, poeta nascido em Patos das Espinharas - Paraíba, em 1901, e falecido em 1997.

Poeta A
O moço não quer que passe
O bem que a vida oferece
Por ninguém o tempo espera
Logo a velhice aparece
E na marcha louca do tempo
Quem não morrer envelhece.

Poeta B
Admiro a mocidade
Não querer envelhecer
Velho ninguém quer ficar
Moço ninguém quer morrer
Quem morre moço não vive
Bom é ser velho e viver.


Os autores das duas sextilhas seguintes são respectivamente os cantadores repentistas Adauto Ferreira Lima e Louro Branco, poetas nascidos em Caruaru - Pernambuco, em 1949, e São João do Jaguaribe - Ceará, em 1913.

(dance)Quando o sujeito envelhece
Quase tudo lhe embaraça
Convida a mulher pra cama
Agarra, beija e abraça
Porém só faz duas coisas:
Solta peido e acha graça.

(dance)Antigamente eu fazia
Oito meninos brincando
Agora eu só faço um
Se for de barro amassando,
Com um pedreiro do lado
E seis servente ajudando.

Estrofe glosada em martelo agalopado do grande Dedé Monteiro, poeta nascido em Tabira - PE, em 1949. Leia esta e algumas outras interessantes glosas que se seguem, que foram extraídas do espetacular CD intitulado Poemas e Repentes de Cantadores, vol. 2, de autoria dos poetas Zé Laurentino & Tião Lima.

Quem não quer ficar velho é infeliz
Perde a calma de tudo e não sossega:
Passa o tempo no espelho atrás de prega
Pra depois dar serviço aos bisturis...
Quem remói a idade mas não diz,
Fica velho por dentro sem querer
Tenha fé, deixe a ruga aparecer,
Não se lance de encontro à natureza
Pra findar a viagem sem tristeza,
É preciso saber envelhecer.    


Décima espanhola de um anônimo:

Diz a antiga Escritura
Que Adão foi feito de barro
Mas essa história eu não narro
Porque é mentira pura
Tem gente que até jura
Por São Pedro e São Conrado
Mas eu acho muito errado
Pois Deus nunca foi loiceiro
Pra tá em pé de barreiro
Fazendo cabra safado.

Sextilha de um anônimo:

(dance)Quem é este cidadão
Todo fora do comum?
O corpo dele parece
Um saco de jerimum;
Se botar nível e prumo,
Não dá em canto nenhum.

Sextilha de um anônimo:

A mulher pra ser bonita
Tem que ser alta e morena,
Tem que ter os olhos verdes,
A boca rubra e pequena;
É dessas que a morte mata
Pra depois chorar com pena.

Sextilha do cantador repentista Manoel Xudu Sobrinho, o Manoel Xudu, poeta nascido em Pilar - Paraíba, em 1932, e falecido em 1980.

(dance)Eu acho muito engraçado
O padre Matusalém,
Quando distribui a hóstia
É pra dez, cinquenta, cem
Mas bebe o vinho sozinho,
Não dá um gole a ninguém.

Ainda o poeta repentista Manoel Xudu, glosando o mote que se vê nos dois últimos versos, disse:

Vê-se um sujeito ladrão
Que tem um porte bonito;
Outro com um porte esquisito
Que tem um bom coração;
Vê-se um padre num sermão
Pregando Deus sem ter fé;
E um bebo num cabaré
A Jesus fazendo prece;
Um é, porém não parece,
Outro parece e não é.


É também do extraordinário Manoel Xudu esta belíssima décima, glosando o mote contido nos dois últimos versos:


Mamãe que me dava papa,
Me dava pão e consolo,
Dava café, dava bolo,
Leite fervido e garapa;
Mas uma vez deu-me um tapa,
E depois se arrependeu.
Beijou aonde bateu,
Desmanchou a inchação.
Quem não tem mãe, tem razão
De chorar o que perdeu.

Sextilhas do cantador repentista José Lopes Neto, mais conhecido como Zé Catota, poeta nascido em São José do Egito - Pernambuco, em 1917, e falecido (?) em 19.....

(dance)Não acredite em mulher,
Seja essa ou seja aquela;
Não merece confiança
Nem no tempo de donzela;
Não confie em fechadura
Que toda chave dá nela.

*
Eu assisti um drama
Que me horrorizei da cena;
Uma senhora de idade
E uma criança pequena:
Chorava a filha com fome,
A mãe chorava com pena.

*
Vai de janeiro a janeiro,
Sem dar nem uma chuvada.
Faltando terra molhada;
Não se vê um nevoeiro.
Fica triste o fazendeiro,
Sem saber mais o que faça.
O gado de braça em braça,
No sertão do Pajeú,
Comendo mandacaru
Que o fogo da seca assa.

Sextilha do cantador repentista Severino Pelado, poeta nascido em Limoeiro - Pernambuco, em 1925, e falecido (?) em 19.....


Não me fale de mulher
Pois toda mulher é boa,
Seja honesta ou desonesta
Porque a mulher à-toa
Se não prestar pro marido,
Serve pra outra pessoa.

Sextilha de Severino Amaro Guimarães (Biró):

(dance)Um velho de oitenta anos,
Zangado que envelheceu,
Tomou certo comprimido;
Tanto rejuvenesceu
Que voltou aos quatro anos,
Pegou sarampo e morreu.

Sextilha do cantador repentista cego Clemente, poeta nascido em ................ - ......, em ........, e falecido (?) em 19.....

Colega não vá brigar
Por causa de uma truaca;
Você vai bater num mole
E o mole dana-lhe a faca;
Quem mata se solta logo,
Quem morre toma na jaca.

Sextilha do cantador repentista Zito Siqueira, poeta nascido em ................ - ......, em ........, e falecido (?) em 19.....

(dance)Mulher, se lembre das juras
Que fizemos na matriz;
Se esqueça de advogado,
De promotor e juiz;
Se acostume a levar ponta
Pra gente viver feliz.

Sextilha do cantador repentista Antônio Piancó Sobrinho, poeta nascido em Itapetim - Pernambuco, em 27.12.1921, e falecido em 05.01.1991.
Nota de agradecimento: como administrador do blog, quero registrar, com grande satisfação, que este excerto biográfico só pôde ser completado graças à inestimável colaboração de Lusa Piancó Vilar, filha do saudoso poeta em destaque, que teve a gentileza de repassar-me informação que faltava sobre a vida do poeta aqui homenageado. Muito obrigado, Lusa, pela ajuda, e seja sempre bem-vinda ao blog!   


(dance)Seu Quinca foi bom menino,
Foi muito melhor rapaz,
Honesto, trabalhador,
Muito obediente aos pais,
Não havia quem pensasse
Que o menino dava o ás.
 

Glosas do poeta cantador Luiz Amorim:

Ventre caído e olhado
Nunca mais mando rezar
Deixei de acreditar
Que reza deixa curado
Que se curasse operado
Tancredo estaria bem
Quanto mais reza, mais vem
Um mal terrível que pesa
Está provado que reza
Não dá saúde a ninguém.

Tinha por ele rezando
Os cento e trinta milhões
E suas infecções
Todo dia piorando
Terminou se ultimando
Me fazendo crer também
Que rezar males de alguém
Fica pra pessoa lesa
Está provado que reza
Não dá saúde a ninguém.

Sextilhas do cantador repentista João Paraibano, poeta nascido em Princesa Isabel - Paraíba, em 1953, e falecido em 2014.

Eu olhando a estiagem
Deitado na minha rede
Vi um açude sem água
Com três rachões na parede
E uma abelha no velório
Da flor que morreu de sede.

*
Branca, preta, pobre ou rica,
Toda mãe pra Deus é bela;
Acho que a mãe merecia
Dois corações dentro dela:
Um pra sofrer pelos filhos;
Outro pra bater por ela.

Sextilha do cantador repentista José Alves Sobrinho, poeta nascido em Picuí - Paraíba, em 1921, e falecido em 20.....


Dois aniversariantes
Em idades diferentes:
O pai entre os adultos,
O filho entre os inocentes;
O pai mudando os cabelos,
E o filho mudando os dentes. 


O autor destes martelos agalopados glosados é José Adalberto, poeta nascido em Itapetim - Pernambuco.

Seu veículo de amor ainda cabe
Na garagem do peito que era seu
O chassi do seu corpo está no meu
Se eu tentar alterá-lo, o mundo sabe
Não existe paixão que não se acabe
Mas amor não possui limitação
Vai além das fronteiras da razão
E o que eu sinto por ela é sem fronteira
Retirei seu retrato da carteira
Sem tirar seu amor do coração.

Na carteira eu tratei de dar um jeito
De tirar sua foto de olhos vivos
Mas não pude apagar os negativos
Que ficaram gravados no meu peito
Junto à lei nosso caso foi desfeito
A igreja anulou nossa união
Mas do peito não tive condição
De tirar seu amor, por mais que eu queira
Retirei seu retrato da carteira
Sem tirar seu amor do coração.

Seu retrato foi todo incinerado
Mas até na fumaça deu pra vê-la
Não há nada que faça eu esquecê-la
Eu nem sei se por ela sou lembrado
Meu desejo está contaminado
Pelo vírus da sua sedução
Junta médica não faz intervenção
Se souber que a doença é roedeira
Retirei seu retrato da carteira
Sem tirar seu amor do coração.

Esse meu coração só pensa nela
Apesar de bater no meu reduto
Cento e vinte pancadas por minuto
Sendo as vinte por mim, as cem por ela
Eu com raiva rasguei a foto dela
Mas amor não se rasga com a mão
Se vontade rasgasse ingratidão
Eu só tinha deixado a pedaceira
Retirei seu retrato da carteira
Sem tirar seu amor do coração.

Uma sextilha de José Adalberto:

Quando as lágrimas flutuantes
Afogam meus aperreios
Subindo demais o nível,
Deixando meus olhos cheios,
É a ressaca das ondas
Dos sofrimentos alheios. 


Conta-nos o poeta e cantador repentista José Alves Sobrinho, no seu excelente livro 'Cantadores, Repentistas e Poetas Populares' (ed. Bagagem, 2003, Campina Grande/PB), que, certa feita, cantava Pinto do Monteiro com Lourival Batista um desafio, quando, em determinado momento, o velho Pinto escorregou numa pronúncia, trocando o vocábulo diplomacia por 'deplomacia'. Aí Lourival não deixou passar, fazendo logo a correção, a que o outro replicou à altura. Veja como se deu e se desenrolou a peleja:

Pinto:
Lourival você é mesmo
Um bamba na cantoria
Pois, tanto tem improviso
Como tem muita teoria
Porém para os companheiros
Lhe falta 'deplomacia'.

Lourival repeliu:
Você tem muita poesia
Como em outro eu nunca vi
Porém o seu português
É fraco pelo que ouvi:
Dizendo o 'deplomacia'
Tire o 'e' e bote 'i'.

Pinto desculpou-se dizendo:
Troquei o 'e' pelo 'i'
Fiz nas letras a mistura
Mas o colega desculpe,
Não é falta de cultura,
Pois tudo isto acontece
A quem não tem dentadura.

Lourival insiste:
Lourival não lhe censura
Por pronunciar assim
Mas se é por falta de dentes
Bote outros de marfim
Pra não errar outra vez
Que vier cantar 'com mim'.

Aí Pinto pegou firme no descuido:
Agora eu achei ruim
A frase do meu amigo
Onde foi que você viu
Com mim em vez de comigo?
Eu disse 'deplomacia'
Mas uma dessas não digo.

Vejam esta outra de Pinto em cima do cantador repentista João Batista Bernardo, conhecido como João Furiba (poeta nascido em Taquaritinga do Norte - Pernambuco, em 1932, e falecido em 2019):

Furiba disse:

Faço de ti uma égua
Pra mamãe andar montada.

Pinto respondeu:

(dance)Não faça assim camarada
Que você se desmantela;
Pode a égua se assustar
E aí virar a cela;
Sua mãe cair de cima
E eu cair montado nela.

Noutra cantoria, João Furiba provoca:

Pinto velho do Monteiro,
Além de doido, está cego.

Pinto não deixa por menos e retruca:

Ainda o vejo cego,
Sem ganhar nem um vintém;
Pedindo esmola num beco
Onde não passe ninguém;
Se passar, seja outro cego
Pedindo esmola também.

Lourival Batista, o extraordinário Louro Pajeú, termina uma estrofe dizendo:

Pinto não serve pra nada;
É Pinto mas não se zanga.

Pinto responde:

Pois se vire numa franga
Que eu quero pegá-lo agora.
Os pés sustentando o corpo,
E as asas fazendo escora;
O bico ferrando a crista,
O resto eu digo outra hora.

Pinto, cantando repente acerca do êxodo rural do Nordeste, fez esta magnífica sextilha:

Os homens do meu Nordeste
Estão desaparecidos.
Nas estradas de São Paulo
Os caminhões entupidos,
Conduzindo os enganados,
Trazendo os arrependidos. 

São também do velho cantador repentista Pinto do Monteiro, poeta nascido em Monteiro - Paraíba, em 1896, e falecido em 1990, estes belos e inspirados versos:

Esta palavra saudade
Conheço desde criança
Saudade de amor ausente
Não é saudade -- é lembrança
Saudade só é saudade
Quando morre a esperança.

São do cantador repentista Antônio Pereira, poeta nascido em ...... - ......, em 1..., e falecido em 1..., estes belos e inspirados versos:

Saudade é um parafuso
Que quando na rosca cai,
Só entra se for torcendo
Porque batendo não vai;
Depois que enferruja dentro
Nem destorcendo não sai.   

Pinto do Monteiro uma vez saiu com esta definição: "ser poeta é tirar de onde não tem... e botar onde não cabe...". Aí o poeta Vinícius Gregório, nascido em São José do Egito - Pernambuco, fez este belíssimo martelo agalopado:

Nessa frase de Pinto do Monteiro
Eu talvez me introduza na metade
Pois pra ser bom poeta, só vontade
Não me faz um poeta por inteiro
O meu verso é a luz do candeeiro
Que ilumina tão pouco, e você sabe
Não é verso que você leia e babe
Ser só meio poeta me convém
Pois consigo tirar de onde não tem
Mas pelejo e não boto onde não cabe.


Septilha do cantador repentista Seu É, poeta nascido em ...... - ...., em 19...., e falecido (?) em 19..... Esta interessante sextilha que se segue foi extraída do fantástico livro intitulado Dicionário Temático da Poesia Popular Nordestina - 2012, de autoria do jornalista e escritor paraibano de Campina Grande, poeta Rui Vieira.

Eu tenho vários amigos,
Desses de pé de balcão
Que depois que tomam uma,
Dão abraço, apertam a mão,
Mas depois me deixam a esmo;
Só conheço amigo mesmo
Nas horas de precisão.


Sextilha do cantador repentista Heleno Severino, poeta nascido em Santa Cruz do Capibaribe - PE, em 1948.

A criança desprezada
No lugar que chega diz:
Pai me gerou, mãe me teve,
Pai me enjeitou, mãe não quis,
Pai tem outra, mãe tem outro,
Só eu que vivo infeliz. 


Pompílio Diniz, poeta nascido em Diamante - Paraíba, escreveu estes versos, para serem declamados preferentemente no estilo matuto, cujo título é:


A Diferença

Estavam os dois na janela
Ele bem juntinho dela
Namorando e dando cheiro
E ela diz: Juca responde
Por que é que a lua se esconde
Por detrás do nevoeiro?

Juca responde: Maria
Toda vez que a lua espia
Que vê nós dois na janela
Esconde o seu clarão
Porque você no sertão
É mais formosa que ela.

Porém, casaram-se os dois
E essa pergunta depois
Maria torna a fazer;
Juca responde às botada:
Pergunta besta danada,
Não sabe que é pra chover!

O poema em endecassílabo e o soneto a seguir são de autoria do cantador repentista Dimas Batista, poeta nascido em Itapetim - PE, em 1921.

GALOPE À BEIRA-MAR 


Nasci no sertão, desfrutando as virtudes
Do tempo de inverno, fartura e bonança.
Depois veio a seca, fugiu-me a esperança
Deixando-me assim, de tristeza tão rude.
Vi secos os rios, fontes e açudes.
E eu que gostava tanto de pescar,
Saí pelo mundo tristonho a vagar,
Fui ter numa praia de areias branquinhas
E vendo a beleza das águas marinhas,
Cantei meu galope na beira do mar.

Ali na cabana de alguns pescadores,
Fitando a beleza do mar, do arrebol,
Bonitas morenas queimadas de sol,
Alegres ouviram cantar meus amores.
O vento soprava com leves rumores,
O pinho a gemer, depois de chorar.
Aquelas morenas à luz do luar
Me davam impressão que fossem sereias,
Alegres, risonhas, sentadas nas areias,
Ouvindo os meus versos na beira do mar.

Eu sempre que via, lá no meu sertão,
Caboclo vaqueiro de grande bravura,
Vestido de couro, na mata mais dura,
Entrar pelo mato e pegar o barbatão,
Ficava pensando, na minha impressão:
Não há quem o possa, em bravura igualar;
Mas depois que vi o praiano pescar
Numa frágil jangada, ou barco veleiro,
Achei-o tão bravo, tal qual o vaqueiro,
Merece uma estátua na beira do mar.

AS TRÊS CRUZES

O Cordeiro de Deus Imaculado
Foi ao Monte Calvário conduzido,
Tendo à esquerda um ladrão obstinado,
À direita, um ladrão arrependido.

Um persiste no mal, é condenado,
Outro foge do mal, é redimido.
Com o extremo da vida em cada lado,
Agoniza o Messias Prometido.

Na cruz, do lado esquerdo, o mal negreja,
Na do lado direito, o bem reluz,
Na do centro é o Amor que fez a igreja.

Todos nós conduzimos uma cruz!
Permiti, ó Senhor!, que a minha seja
A do lado direito de Jesus. 

Décima do cantador repentista Daudeth Bandeira, poeta nascido em Jatobá de Piranhas - PB, em 1945.

Água é deusa apaixonada
No colo da terra alheia
Acariciando as popas
Dos seios brancos da areia.
Na cascata se debruça,
Canta, suspira e soluça
Apaixonando o luar,
Tangendo as espumas turvas
Pra despejá-las nas curvas
Das ondulações do mar.

Décimas do cantador repentista Job Patriota, poeta nascido em São José do Egito - PE, em 1929, e falecido em 1995. 

Estes teus seios pulados
Que estão me desafiando
São dois carvões faiscando
No fogão dos meus pecados,
São dois punhais afiados
Que já ferem dois cristãos,
Para os meus lábios pagãos
São dois sapotis maduros,
Quero ver teus seios puros
Nas conchas de minhas mãos.


*
Na madrugada esquisita
O pescador se aproveita
Vendo a praia como se enfeita
Vendo o mar como se agita
Ora calmo ora se irrita
Como panteras ou pumas
Depois se desfaz em brumas
Por sobre as duras quebranças
Frágeis, fragílimas danças
De leves flocos de espumas.

Décimas belíssimas do festejado Dedé Monteiro, poeta nascido em Tabira - PE, em 1949.

Nunca pensei na velhice
Mas a danada chegou,
E o seu fantasma me disse
Que o tempo bom acabou;
E o mesmo tempo sisudo
Me quis despojar de tudo
Desmoronando os meus planos;
E pra maior pesadelo,
Jesus pintou meu cabelo
Com a tinta branca dos anos.

O tempo passa veloz
Deixando tudo em desgraça;
Nós nem pensamos em nós,
Tão veloz o tempo passa;
Eu mesmo em mim só pensei
Depois que velho fiquei,
Depois de mil desenganos;
Já não represento nada,
Tendo a cabeça pintada
Com a tinta branca dos anos.

Tudo na vida se acaba,
A mocidade também,
A juventude desaba
Quando a caduquice vem;
Sinto que a morte me afronta
E que a consciência conta
O meu tempo entre os humanos;
Vejo os meus dias contados
Nos meus cabelos pintados
Com a tinta branca dos anos.

A tinta que o tempo bota
Sobre a cabeça da gente,
É tinta que não desbota,
Permanece eternamente;
Tem gente que compra tinta,
Passa no cabelo e pinta
Só pra nos causar enganos,
Mas é besteira do povo,
Que nasce cabelo novo
Com a tinta branca dos anos.

Décima do cantador repentista Lourival Batista, poeta nascido em Itapetim - PE, em 1915, e falecido em 1992.

Jesus não morreu tão moço
Mas nunca quis companheira,
Preferiu a de madeira
A uma de carne e osso.
Não seduziu-lhe o esboço
Do perfil da mulher bela,
Não deu tais honras a ela
Porque sabia Jesus:
Quem casa faz uma cruz
Pra morrer cravado nela.

Sextilha do cantador repentista João Siqueira de Amorim, poeta nascido em Barbalha - CE, em 1913, e falecido em 1995.

Toda mãe, por qualquer filho
Se iguala num só amor;
As mães de Cristo e de Judas
Sofreram da mesma dor:
Uma pelo filho justo,
Outra pelo traidor. 

Décima do cantador repentista Zé Bernardino, poeta nascido em São José do Egito - PE, em 1900, e já falecido.

Se nada fiz na jornada,
Nada ganhei nem perdi,
Nada ignoro do nada
Porque do nada eu nasci,
Já que o nada é meu abrigo,
Seja o nada o meu jazigo
Porque isto não me enfada,
Eu de nada tenho estudo
Mas sei que o nada faz tudo
E tudo se torna em nada.

Décima do cantador repentista Valdir Teles, poeta nascido em Livramento - PB, em 1953.

Não precisa de energia,
Lá só basta o sol e a lua;
Ele despido, ela nua;
Um de noite, outro de dia.
Na hora que a tarde esfria,
Deus faz a transformação:
O sol apaga o clarão,
A lua desfila acesa,
Tudo que há de beleza
Deus colocou no sertão.


Sextilha do cantador repentista Antônio Marinho, poeta nascido em São José do Egito - PE, em 1887, e falecido em 1940.

Deus salve os antepassados
Que já foram como nós;
Foi aqui que nossos pais
Pisaram em nossos avós;
Nós pisamos nossos pais,
Nossos filhos pisam em nós. 

Sextilhas do cantador repentista Elísio Félix da Costa, mais conhecido por Canhotinho, poeta nascido em Taperoá - PB, em 1915, e falecido em 1965.

Por este imenso Brasil
Os pretos se cativaram,
O choro dos filhos brancos
As mães pretas consolaram,
O leite dos filhos pretos
Os filhos brancos mamaram.


*
Estão vendo esta velhinha
Enrolada no seu manto,
Com os olhos rasos d'água
Tomando banho em seu pranto?
Cantava quando eu chorava,
Hoje chora quando eu canto.


*

(dance)Estou velho e acabado
Já com a vista cansada
E sendo numa distância
Daqui pra aquela calçada
Mulher inda vejo o vulto
Mas homem eu não vejo nada.

Canhotinho glosando o mote: "A vereda da vida é tão penosa, que me assombro com as curvas que ela faz"

Acho tarde demais para voltar,
Estou cansado demais para seguir,
Os meus lábios se ocultam de sorrir,
Sinto lágrimas, não posso mais chorar;
Eu não posso partir, também ficar...
E, assim, nem pra frente, nem pra trás:
Pra ficar, sacrifico a própria paz,
Pra seguir a viagem é perigosa...
A vereda da vida é tão penosa,
Que me assombro com as curvas que ela faz!


Sextilha do cantador repentista João Benedito, poeta nascido em Esperança - PB, em 1860, e falecido em 1943.

Há entre o homem e o tempo
Contradições colossais:
O tempo faz e não diz,
O homem diz mas não faz;
O homem traz mas não leva,
O tempo leva e não traz.

Martelo agalopado do cantador repentista José Maria do Nascimento, poeta nascido em Araçoiaba - CE, em 1945.

Tem também violência em quem ofende
Um campônio que a seca martiriza;
Na criança que se marginaliza,
Numa jovem faminta que se vende,
Numa mão de criança que se estende,
Na velhice chorando sem ter pão,
Num doente pedindo uma injeção,
Numa fila sem fim da Previdência;
No cenário cruel da violência
Vejo o homem matar sem precisão.

Sextilha do cantador repentista Chico Buriti, poeta nascido em Carnaubinha - CE, em 19...., e falecido (?) em 19.....

(dance)Não vou trocar a mulher,
Gosto da minha caseira;
Tá velha, impaciente,
Mas é tão trabalhadeira!
Mesmo eu não vou trocar ela
Pra arranjar outra porqueira.


Sextilha do cantador repentista Luiz Campos, poeta nascido em Mossoró - RN, em 1934, e falecido (?) em 19.....

(dance)Minha mulher é tão feia,
Além de feia, aleijada;
Se um dia acontecer
Dela morrer na estrada,
Urubu só come ela,
Se ela morrer emborcada. 

Sextilha do cantador repentista Andorinha, poeta nascido em Crato - CE, em 19...., e falecido (?) em 19.....

É bem difícil encontrar-se
Na vida uma mulher pura;
É quem mais peca no mundo
E é também quem mais censura;
Quanto mais chora, mais mente;
Quanto mais mente, mais jura.

Sextilha do cantador repentista João Alexandre Sobrinho, poeta nascido em Santana de Ipanema - AL, em 1921, e falecido (?) em 19..... É autor da música do poema Triste Partida, de Patativa do Assaré, gravado por Luiz Gonzaga.

São iguais todas mulheres,
A diferença é de hora:
Umas cedo escondem as unhas,
Outras tarde botam fora;
Uma finge com sorriso,
Outra finge quando chora.

Sextilhas do cantador repentista João Izidro, poeta nascido em São José do Egito - PE, em 1912, e falecido em 1974.

(dance)Quando minha mãe morreu
Foi grande a minha alegria:
É que ela descansou
Do aperrêi que vivia;
A terra come uma vez,
Papai era todo dia.

*
(dance)Você vendo um cabeludo
Com um rosto de mocinha,
Ciscando que nem galinha
Fazendo o passo miúdo,
Se requebrando pra tudo
Que na frente vê passar,
Sem parar de requebrar
Num clube carnavalesco,
Se quiser comer um fresco
Pode pedir que ele dá.

Sextilhas do cantador repentista Otacílio Batista, poeta nascido em Itapetim - PE, em 1924, e falecido (?) em 19.....


Eu já não suporto mais
Do tempo tantas revoltas;
Prazer, por que não me prendes?
Mágoa, por que não me soltas?
Presente, por que não foges?
Passado, por que não voltas?

*

Me lembro da minha prima
Lá na beira do riacho,
Naqueles tempos antigos,
No tempo qu'eu era macho:
Ela de papo pra cima
E eu de papo pra baixo.

Sextilha do cantador repentista ................, poeta nascido em .............. - ...., em ......, e falecido (?) em 19.....

(dance)Esse negócio de chifre
Eu acho muito comum;
Já levei chifre de noite,
De manhã cedo, em jejum;
O remédio é paciência,
Pitu e cinquenta e um.

Sextilha do cantador repentista Leonardo Bastião, poeta nascido em .............. - ...., em ......, e falecido (?) em 19.....

(dance)A mosca e a muriçoca
São dois bichos que aborrece;
A mosca anda o dia inteiro,
Se esconde quando anoitece;
Mas quando um cão vai embora,
A outra peste aparece. 

Sextilha e martelo agalopado do cantador repentista Raimundo Nonato -- poeta nascido em .............. - PB, em 19...... --, que foi extraída do monumental livro intitulado De Repente Cantoria, de autoria do poeta repentista Geraldo Amâncio e do jornalista Vanderley Pereira.

Na caminhada da fé
Tenho sofrido desditas;
Se as aparências enganam
Como as palavras escritas,
Os corações feios moram
Por trás das caras bonitas.

*
Amá-la demais foi o meu crime
Nem por isso eu tô arrependido
Você pode dizer que tem marido
Que tem filho e não quer que eu me aproxime
Não existe outra pele mais sublime
Outro cheiro melhor não pode haver
Seu amor não é coisa de comer
Mas eu fico sem fome se eu provar
Você pode pedir pr'eu me afastar
Só não pode obrigar a lhe esquecer.

Versos de Quintino Cunha, poeta nascido em Itapajé - Ceará, em ......, e falecido (?) em 19.....

Na história da teimosia
Entre a rudez e a arrogância,
É tão forte a ignorância,
Tão cruenta e tão mendaz,
Que a própria sabedoria
De tudo sabendo tanto,
Não sabe dizer de quanto
O ignorante é capaz.

Décima de Efigênio Moura, poeta nascido em Prata - PB, em ......, e falecido (?) em 19.....

Ai, morena, se tu me desse
Aquilo que te pedisse
Num lugar que ninguém visse
E nem o povo soubesse,
E ainda tu tivesse
A vontade de me dar
E me deixasse coisar
Do jeito que tô pensando,
Nós ia ficar morando
Sem ser preciso casar.

Décima do jornalista e escritor Rui Carlos Gomes Vieira (Rui Vieira), poeta nascido em Remígio - Paraíba e radicado em Campina Grande (PB) desde a década de 50. Esta comovente e belíssima décima que se segue foi extraída do fantástico livro intitulado Dicionário Temático da Poesia Popular Nordestina - 2012, de autoria do poeta Rui Vieira.

Mamãe, lá no céu tem pão?
Disse morrendo de fome
Uma criança sem nome
Lá pras bandas do sertão.
A mãe cheia de aflição
Deu um sinal que havia.
A criança com alegria
Fechou os olhinhos seus,
E a mãe pediu a Deus
O perdão porque mentia.

Uma belíssima estrofe do poeta Catulo da Paixão Cearense:

Apois os cabelo dela
Naquele arreviramento
Era preto igual ao sonho
Dum cego de nascimento.
Apois os cabelo dela
Tão preto pro chão caía,
Que toda flor q'eu botava
No cabelo, a flor murchava
Pensando que anoitecia.

Décima de autoria desconhecida, e que tomei conhecimento por intermédio da poetisa Mariana Teles:

Há tempos venho sofrendo
Pelo amor de alguém;
O q'eu venho padecendo
Só sabe Deus, mais ninguém;
Tem gente botando terra
Pra ver se a terra aterra
E o amor desaparece;
Mas terra o amor não mata,
Que amor é feito batata:
Quanto mais terra, mais cresce.

O autor desta sextilha glosada, cujo mote vê-se nos dois últimos versos, é José Adalberto, poeta nascido em Itapetim - Pernambuco:

Mesmo ninguém sendo isento
Da cruz do ombro ou do peito,
Eu acho qu'eu só fui feito
Pra carregar sofrimento;
Eu carrego um casamento
Que cupim nenhum dá fim;
Que pra comer coisa ruim
Tem que ter dente de prego;
Acho que a cruz qu'eu carrego
Foi feita pra dois de mim.

O autor destes belíssimos versos é o cantador repentista Diniz Vitorino, poeta nascido em Monteiro - PB, em 1940, e falecido em .....19.....

Filho meu, nunca faças o que eu fiz
E o que eu fiz não procures nem saber
Fite bem meu semblante que lhe diz
O que eu sinto vergonha de dizer
Não roubei, não matei, pois jamais quis
Ceifar vidas humanas pra viver
O meu mal foi cantar pra ser feliz
Tendo dor pra chorar até morrer
Quanto é triste, meu filho, ser poeta
Fingir que é filósofo, que é profeta
Não reunir multidões, pregar a esmo
Para os céus enviar cantos fingidos
Procurar consolar os oprimidos
Quando o maior oprimido sou eu mesmo.

São também de Diniz Vitorino este sentido soneto feito em homenagem ao extraordinário cantador repentista Pinto do Monteiro, conterrâneo seu, por ocasião de seu falecimento:

Velho amigo, foi triste, muito triste
Conduzir-te sem vida à sepultura
Que tormento, que pranto, que amargura
Tu deixaste pra nós quando partiste.

Esta angústia cruel que nos tortura
É mil vezes maior que a que sentiste
Lá nos céus para ti existe cura
Mas pra nossa saudade não existe.

Tu subiste aos umbrais divinizados
Onde as almas dos justos, sem pecados
São em tempos santíssimos recebidas.

Entre nuvens de rosas flutuaste
Tão feliz que nem viste que cravaste
Uma cruz de lembrança em nossas vidas.

O autor deste belíssimo poema é o poeta Giuseppe Ghiaroni, poeta nascido em Paraíba do Sul - RJ, em 1919, e falecido em 2008.

Eu quero vortá pra casa, meu pai,
Eu quero vortá, 
Num sei que rumo tomá.
Dispois de tanto girá...
Isqueci ou discunheço,
O meu primêro inderêço,
A luz de onde eu fui brotá.
Hoje que tudo me arrasa
Eu quero vortá pra casa,
Mas num sei... como vortá.

Toda criança deve de trazê
Um cartão dipindurado
A mode informá um sordado
No caso de se perdê.
Eu saí lá do sertão
Entrei nessa murtidão
Que atravanca esse planeta,
Sem um cartão,
Sem uma plaqueta,
Sem quarqué indicação.

Tonto fiquei... num sei vortá
Os caminhos são escuro,
Cheio de ingano,
Tenho já 80 ano
E ainda num sei falá!
Os meus semelhante,
Se assim eu posso chamá,
Os caminhante, os circunstante,
Já quisero me ajudá.

Na nossa forma de vida
É costume ter piedade
Duma criança perdida,
Tonta e estranha na cidade.
Todo mundo tem dó de mim
Pruque ter dó é humano.
Todo mundo é humano,
Marcado pro mermo fim.
Já quisero me levá pra casa,
Quisero sim!
Pro meus pais, pro meus mano,
Mas eu com 80 ano,
Num sei dizê de onde vim.

Papai me manda um recado!
Mamãe manda um empregado
Que sabe bem o caminho.
Eu só sei que tô sozinho
Como quando aqui cheguei.
Diz que se nasce... é chorando,
Pruquê assim é que se nasce,
Eu acho inté que nem mudei,
Pois num é qu’eu discunheça
Que cheguei feio e enrugado
Sem cabelo na cabeça,
Piquinininho, desdentado.

Ah pois bem! Esses mermo dado
Me serve agora, como já serviro.
Os meus cabelo caíro,
Os meus dente se acabaro,
E as rugas... se elas sumiro um dia,
O certo é que elas vortaro.
E quanto a eu vivê chorando
Eu posso dizê também
Que choro de quando em quando,
E choro como ninguém.

Ah! Mamãe grita: Zezinho!
Grita: Ô menino! Meu pai.
A mãe chama, o filho vai,
O pai chama, esse é o caminho.
Mas eu... eu apuro os ouvido
E um triste silêncio cai!
Tô perdido, perdido,
Não tenho nem mãe nem pai.

Vivo ? é... acho que tô vivo,
Mas tão sem objetivo,
Entre quem vem ou quem vai.
Nada me dá um motivo,
Nada me prende ou me atrai,
Nada me empurra ou me abrasa
Pra mode eu continuá.
Eu quero vortá pra casa,
Pouco amor, fé muito rasa.
Papai, mamãe sem me chamá,

Eu quero vortá pra casa,
Mas esqueci o lugá!

No cordel 'A VIDA DE CANCÃO DE FOGO E SEU TESTAMENTO', de Leandro Gomes de Barros (Pombal/PB, 1865-1918), vê-se uma passagem engraçadíssima. Estando Cancão de Fogo já moribundo, mandou que trouxessem o juiz e o escrivão até o seu leito de morte, sob o pretexto de que precisava que lavrassem o seu testamento. Como, porém, se tratava de uma simulação de testamento, do qual constavam também essas duas autoridades como beneficiárias, foi a oportunidade derradeira que Cancão colheu para enganar sabichões espertalhões pela última vez em seu prol e de sua família, e ainda tentar se conciliar com o Evangelho Cristão e com o Todo Poderoso. Depois de morto Cancão, o escrivão, vendo-se igualmente ludibriado, foi queixar-se à viúva do falso testador, que ainda logrou ver cumpridas as suas últimas vontades por parte dessas autoridades que, além disso, despenderam recursos próprios para fazê-las. Foi então que ela deu a saber ao escrivão a verdadeira razão da presença dele e do juiz no leito de morte de seu marido:

(dance)Ele chamou os senhores
Quando estava aqui prostrado
Porque queria imitar
O Cristo crucificado...
Queria morrer também
Com um ladrão de cada lado!

Como sabe, as pessoas
Estando perto de morrer
Sentem, às vezes, remorso
E temem de se perder
Dizem que, no outro mundo
A pessoa há de sofrer.

O doutor não viu o frade
Vir também por sua vez?
E não viu o meu marido
Que barulho logo fez?
Disse: "eu chamei dois ladrões,
Pois não preciso de três".


Poema belíssimo do inspirado Dedé Monteiro, poeta nascido em Tabira - PE, em 1949.

FIM DE FEIRA


O lixo atapeta o chão,
Um caminhão se balança;
Quem vem de fora se lança
Em cima do caminhão;
Um ébrio esmurra o balcão
No botequim da esquina;
O gari faz a faxina,
Um cego ensaca a sanfona,
E um vendedor dobra a lona
Depois que a feira termina.

Miçanga, fruta, verdura,
Milho, feijão e farinha,
Bode, suíno, galinha,
Miudeza, rapadura;
É esta a imagem pura
De uma feira nordestina
Que começa pequenina,
Dez horas não cabe o povo;
E só diminui de novo
Depois que a feira termina.

Na matriz que nunca fecha,
Muito apressado entra alguém
Mas sai vexado também,
Se não o carro lhe deixa;
O padre gordo se queixa
Do calor que lhe domina,
E agita tanto a batina
Que quem vê fica com pena;
Toca o sino pra novena
Depois que a feira termina.

A filhinha do mendigo
Sentada a seus pés, num beco,
Comendo um pão doce seco
Diz: papai, coma comigo.
E o velho pensa consigo
- Meu deus, mudai sua sina
Pra que minha pequenina
Não sofra o que eu sofro agora;
Ri a filha, o velho chora
Depois que a feira termina.

Um pedinte se levanta
Da beira de uma calçada,
Chupando uma manga espada
Pra servir de almoço e janta;
Um boi de carro se espanta
Se o motorista buzina;
Um velho fecha a cantina,
Um cachorro arrasta um osso,
E o pobre “asavessa” o bolso
Depois que a feira termina.

Um camponês se engana,
Chega atrasado na feira,
Não compra mais macaxeira,
Nem batata, nem banana;
Empurra a cara na cana
Pra esquecer a ruína;
Arroz, feijão, margarina,
Açúcar, óleo, salada,
Regressa e não leva nada
Depois que a feira termina.

No açougue da cidade
Das cinco e meia em diante,
Não tem um pé de marchante
Mas mosca tem à vontade;
Um faxineiro abre a grade,
Tira uma mangueira fina,
Rodo, pano, creolina,
Deixa tudo uma beleza
Mas só começa a limpeza
Depois que a feira termina.

E o dono da miudeza
Já tendo fechado a mala,
Escuta o rapaz que fala
Do outro lado da mesa:
- Meu senhor, por gentileza,
O senhor tem brilhantina?
Ele diz com voz ferina:
- Aqui na mala ainda tem
Mas eu não vendo a ninguém
Depois que a feira termina.

Um jumento estropiado,
Magro que só a desgraça,
Quando vê que a feira passa,
Vai pra frente do mercado;
O endereço ao danado
Eu não sei quem diabo ensina;
Eu só sei que baixa a crina
Entre as cinco e as cinco e meia
Lancha, almoça, janta e ceia
Depois que a feira termina.



Conta-nos o poeta Antônio Marinho Neto que, numa cantoria em que se enfrentavam João Furiba e Lourival Batista (Louro Pajeú), Furiba, por ser muito tarde da noite, fez menção de deixar o recinto, cantando a seguinte sextilha:

Meu colega Lourival
Acho que já vou embora
Já é quase meia-noite
Breve vai dar zero hora
E eu não quero dar massada
À mulher que me adora.

Louro, espirituoso, viu uma oportunidade de provocar Furiba, com essa sextilha:

Furiba, não vá agora
Com essa garota sua
Pois lá fora tem malandro
Que bole até com a lua
Carrega ela e lhe deixa
Vagando só pela rua.

Aí, Furiba não deixou barato -- e retrucou:

(dance)Mais perigoso é a sua
Ficar em casa sozinha
Você entra pela sala
O outro sai pela cozinha
Eu pra não correr perigo
Pra onde vou, levo a minha.


E prossegue Antônio Marinho Neto, dessa vez contando que, quando Ariano Suassuna começou a fazer soneto, foi no tempo em que ele estava conhecendo Dimas Batista, poeta e repentista de São José do Egito. Impressionado com a cultura de Dimas, com os sonetos bem feitos dele, Ariano começou a fazer um soneto e cuidou de referir o fato ao poeta admirado. Depois de uns três meses, dizia: "Dimas, estou em tal linha". Aí, uns quatro meses depois, voltava a dizer: "Dimas, estou em tal linha". Os encontros foram se sucedendo e, no fim, quando Ariano mostrou o soneto acabado a Dimas, este deu uma olhada no produto e, de improviso, disse:

Eu muito admiro o poeta da praça
Que passa dois anos fazendo um soneto
Depois de três meses termina um quarteto
Com todo esse tempo, ainda fica sem graça
Com tinta e papel o esboço ele traça
Contando nos dedos pra metrificar
Que noites de sono ele perde a estudar
Pra, no fim, mostrar tão minguado produto
Pois desses eu faço dois, três num minuto
Cantando galope na beira do mar.


O autor desta bela sextilha é o cantador repentista Rogério Menezes, poeta nascido em Imaculada - PB, em 19....

Quando a mulher é humilhada
Por alguém que ela ama,
Sente como se tivesse
Sido jogada na lama.
E a terra bebe tremendo
As lágrimas que ela derrama.


O autor desta comovente décima é o poeta Delmiro Barros.

O pássaro faz cantoria
Sem cobrar nada a ninguém.
Na sua cantiga tem
Essência de poesia.
Eu acho uma covardia,
Falta de compreensão
Colocar no alçapão
Um passarinho indefeso.
Solte o pássaro, fique preso,
Pra saber o que é prisão.


A autora deste magnífico martelo agalopado é Isabelly Moreira (Belinha), poetisa nascida em São José do Egito-PE, em 1993.


No ensino de Cristo temos visto
O exemplo da planta da caatinga:
Fica seca, emurchece, mas não morre.
Com um pouco de chuva, logo vinga
Mais bonita, mais forte, mais robusta.
E quem vê nem cogita o quanto custa
Resistir na quentura do seu chão.
Mas não há seca brava que lhe vença,
Pois no fundo ela sente a recompensa
De florir mais amor, ao ser sertão.


O autor destes versos extraordinários é Leandro Gomes de Barros, poeta nascido em Pombal-PB, em 1865, e falecido em 1918.

Se eu conversasse com Deus,
Iria Lhe perguntar:
Por que é que se sofre tanto
Quando se chega pra cá?
Que dívida é essa que o homem
Tem que morrer pra pagar?

Perguntaria também
Como é que Ele é feito,
Que não dorme, que não come,
E assim vive satisfeito.
Por que é que Ele não fez
A gente do mesmo jeito?

Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto,
Nascidos do mesmo jeito,
Criados no mesmo canto?
Quem foi temperar o choro,
E acabou salgando o pranto?


As septilhas abaixo, que tive a alegria de encontrá-las, garimpando o Instagram, são de autoria da poetisa Anne Karolynne, natural de ....

Como falar de direitos,
Falar de democracia;
Como é que a gente fala
De exercer cidadania
Em uma sociedade
Que faz tanta atrocidade
Com homo-trans-negrofobia.

O que vejo é intolerância,
Muita discriminação;
Para os pobres o que vejo
É a criminalização;
Negros, jovens descartáveis...
Parece até imprestáveis,
Num contexto de exclusão.

Como garantir direitos
Pra quem é coisificado;
Pra justiça, pra polícia,
Ele é criminalizado;
Mas ele é um cidadão,
Precisa de atenção
E também de ser cuidado.


O autor desta concisa e inteligente décima --- preferências político-partidárias à parte --- é o cantador repentista Francisco Oliveira de Melo, mais conhecido como Oliveira de Panelas, poeta nascido em Panelas-PE, em 1946.

Constituição rasgada
Pra tirar a presidente.
Uma mulher inocente,
Sem provas foi condenada.
Tinha conduta ilibada.
O Congresso não podia
Julgar Dilma nesse dia,
Porque era réu confesso.
Toma vergonha, Congresso!
Respeita a democracia!

O autor destes sentidos versos é Severino Cavalcante de Albuquerque, poeta nascido em Remígio - PB, em 1926.


Vi prolongado verão
Se abater sobre a terra;
E vi na baixa e na serra
Só folhas secas no chão.
As árvores sem condição
De resistir ao calor;
E o sol com todo furor
Fazendo as águas secar.
Sem pão, sem água e sem lar
Vi sofrendo o pecador.

Versos de um autor desconhecido.

Até na beleza das flores
Se vê a diferença da sorte:
Tem flor que enfeita a vida;
Tem flor que enfeita a morte.



Décimas espanholas de Almir Lyra (autor deste blog)




Mote:

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


I -


Deus não fez Eva, ao pensá-lo,

Da cabeça de Adão,

Pois não foi Sua intenção

Criá-la pra governá-lo;

Nem de onde nasce o calo,

Pra que a não fosse pisar.

Da costela a foi criar

Para ser sua companheira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Com a costela – disse -- a Faço

Pr’ela ser igual a ele,

Porque fica dentro dele,

Bem debaixo de seu braço,

Que a protege com o abraço;

E pr’ele mais a amar,

Próximo ao coração está

A costela que Escolhera.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Mas um pensador cristão

Diz: Deus, pra Eva criar,

Não teve de retirar

Costela nenhuma não.

Apenas levou Adão

A um sono bom de lascar,

Pra do sonho então brotar

A criatura alvissareira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Pra ser igual a Adão,

E igual em dignidade,

Deus, visando a igualdade,

Dotou Eva da razão,

De paixão, de emoção;

Mas, para a identificar,

Deu-lhe o dom de engravidar,

Sendo assim a mãe primeira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Contam que no paraíso,

Que é monotonia, o tédio

Bateu, e sem um remédio,

Fora o choro ou o louco riso,

Eva vê que é preciso

Fazer algo pra mudar;

Então ela vai tentar

Adão, chegando faceira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Se a natureza a criou

Com o dom de reproduzir,

Por que não ia atrair

Aquele a quem completou?

Por isso que Eva ousou

A peça íntima inventar;

E a tanga a sensualizar

Fez de folha de parreira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Eva ali com a folha faz

Que Adão fique curioso;

Depois se torne ansioso

Pra ver o que tem atrás;

E com a mão boba, o rapaz

Deslize a folha, ao tocar,

Para a serpente o picar

E pensar logo em besteira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Eva, a primeira mulher,

Dá à luz Caim e Abel.

E se está no seu papel

Conceber, quando o puder;

E se a natureza o quer,

Ela não pode pecar,

Que o céu não pode culpar

Quem não nasceu pra ser freira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Depois de ter com Adão

Os dois meninos gerado,

Eva comete o pecado

De não trazer sempre à mão

Um tipo de cinturão,

Pra Caim se intimidar

E ao seu irmão não matar

Com a inveja traiçoeira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


II -


Não conto agora de Helena,

Nem de Lucrécia ou Dalila,

Que não acaba essa fila,

Das poderosas em cena;

Nem d’outras que vale a pena

Na Ciência ou n’Arte lembrar.

A história que vou glosar

É de u’a mãe trabalhadeira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


II - a


A mãe fora abandonada

Por um marido boêmio,

Que nunca viu, como um prêmio,

Filhos e mulher honrada.

E a pobre, sacrificada,

Toma a frente do seu lar

Para só se dedicar

Aos filhos pra vida inteira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Mas o filho a faz de besta.

Como o pai, tem sua mania.

Na roleta se vicia,

E perde o qu’inda lhe resta.

Mas tem agiota que empresta

Porque a mãe vai lhe pagar

Com a grana que vai ganhar

Com o extra de costureira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Um dia qualquer ele furta,

Por precisar sustentar

O vício que é de jogar.

Se não jogar, ele surta.

Por ter a memória curta,

Vai outra vez apostar,

Inda mais se endividar;

E a mãe vende a geladeira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


E o pior inda viria:

Vai roubar um passageiro

Que é polícia o tempo inteiro,

Que o leva à delegacia.

E a suada economia

Da sua mãe o vai soltar.

Por mais u’a prova passar,

Que ser mãe é uma pedreira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


A mãe de novo o aconselha

E acha que agora ele muda.

Em casa vê uma muda

De uma planta, que espelha

Sua esperança de velha.

Se ele quis dela tratar,

É pra se regenerar

E viver de outra maneira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Mas alguém denunciou

Que o filho vende maconha.

E a mãe, com enorme vergonha,

Para a polícia falou:

Solte meu filho, doutô,

E me prenda em seu lugar,

Pois se alguém deve pagar,

Que me leve a carcereira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Da cadeia o filho sai,

E parece que se arrepende:

Se ao vinho do padre se rende,

No vício do álcool ele cai.

Agora a sua mãe já vai

Pedir pr’ele a perdoar.

Diz ele: mãe, vou mudar…,

Mas antes a saideira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Marieva se chamava

A mulher que muito amou.

Como Eva ela pecou,

Que limites não traçava.

Se Santa Maria penava

Pelo Filho sem pecar,

A mãe sofria com o penar

Do filho na sua cegueira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


II - b


Agora é a filha que sai

E volta de madrugada;

Chega um pouco alterada;

Grita pra mãe: cadê pai?

E quase que a pobre cai,

Sentindo o peito apertar,

Porque não sabe onde está

Quem jamais lhe deu a feira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Anda a filha revoltada,

E acusa a mãe de traição.

A mãe diz: não é a razão

D’eu ter sido abandonada.

E espera que a filha errada

Inda a possa perdoar,

Que nada vai lhe faltar,

Que ela é sua amada herdeira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Tendo a filha abandonado

Os afazeres de casa,

Diz na cara da mãe: vaza!

Que espero meu namorado.

E dado assim o recado,

A mãe vai se desculpar,

Que vai ter de se ausentar,

Pra não servir de barreira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Estando a filha à vontade,

Depois que à sua mãe mentiu,

Ao dizer que era um edil

Que a amava de verdade…,

Deu a ele a liberdade

Para delas abusar,

E ainda se aproveitar

Com a fama da carreira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


O resultado, porém,

Veio após os nove meses.

E, como das outras vezes,

O malandro era um ninguém

Que não tinha um vintém

Para a criança ajudar.

Mas é a vó que vai cuidar

Com a função de camareira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Na luta a mãe sobrevive,

E já está muito cansada.

A neta nasce enjeitada,

Que a filha diz: não a tive

Pra que ela me cative

E eu fique sem badalar,

Pois não iria aguentar

No meu lombo essa madeira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


II - c


E tanto a mãe já padece

Que o coração não aguenta.

Mesmo assim ainda tenta

Não cair, mas desfalece.

Ao despertar, não se esquece,

Já prestes a se operar,

Que é preciso então deixar

U’a mensagem derradeira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Os filhos, disse a anciã,

Não são da mãe nem do pai.

Mas nem por isso se vai,

Contra a ética cidadã,

Ter filhos para amanhã

À própria sorte os largar.

Se o são da vida --- o criar

É só pra mãe verdadeira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Pressentindo o fim da vida,

A mãe roga a Deus sua cura,

Porque, mesmo a essa altura,

Inda espera que sua lida

Salve sua filha perdida,

E o filho do seu penar.

E o exemplo que deixar,

Tem fé que ao menos um queira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


III -


Que fazer a mãe iludida?

Uma autocrítica segura.

Porque, já a essa altura,

De nada serviu sua lida:

Não salvou a filha perdida,

Nem o filho, que a faz penar.

E o exemplo que deixar

Nenhum dos dois há que queira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


E o que de errado a mãe fez

Para ter sofrido tanto?

E tanto esgotou seu pranto

Que da dor não se refez.

E, pela última vez,

Pediu a Deus pra poupar

Sua netinha a chorar

Pela mãe que a esquecera.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Como Eva, a mãe não quis

Usar da autoridade

Que na oportunidade

Corrigiria o infeliz.

Mas é como o vulgo diz:

Se da mãe não apanhar,

Não vai se intimidar

Pra não rolar na sujeira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Amor demais é veneno.

Muitas vezes dizer não

É a melhor decisão.

Como diz o Nazareno:

É cultivar o terreno

Para o bem se acomodar,

E o filho se influenciar

Com a educação altaneira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Sempre é tempo de ir à luta.

Vai, em Gorki, a mãe idosa;

Tal como, em Guimarães Rosa,

Diadorim jovem labuta.

E não tem a força bruta

Poder para as cercear;

Só doença pr'as derrubar,

Que o tempo não dá rasteira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Mas pr'essa mãe já é tarde,

Que o mau tempo a subjugou.

Seus últimos dias passou

Presa a outra realidade:

À impotência, não da idade,

Mas da inércia muscular

Em um corpo a definhar,

Inválido numa cadeira.

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Ser mãe, mas mãe de verdade,

Não é apenas dar à luz,

Nem jogar sobre Jesus

A responsabilidade,

Dizendo que a divindade

É o melhor pai pra criar.

Ser mãe é o dom de cuidar.

Mãe foi a ama "leiteira".

A mulher é uma guerreira

E não desiste de amar.


Décima de Almir Lyra, autor deste blog:


No ABC se formou

Usando o terno do pai;

Hoje, já não bem lhe cai,

Que o paletó apertou.

E os livros que o pai legou

Também não lhe servem mais,

Que o tempo deixou pra trás:

Pai, livros e terno... E o cinto?

Vem desde o ABC! E sinto

Que foto em posse inda faz!


Décima de Almir Lyra, autor deste blog:


Um dia no meu lar houve uma batida.

As forças logo levaram-me preso.

Mas não foi da lei que senti o peso

(Foi abuso, injustiça cometida!).

O que deixou-me a alma combalida,

O que me causou profundo desgosto

Foi a calúnia d'um irmão suposto,

Que era o meu porto, meu farol e abrigo.

O sinal da traição do meu amigo

Foi um beijo que ele me deu no rosto.


O autor destas sextilha e décima é Leonardo Pereira Alves, mais conhecido como Leonardo Bastião, poeta nascido em Itapetim - PE.


A sombra que me acompanha

Não é a que me socorre.

Se eu andar, ela anda;

Se eu correr, ela corre.

E é mais feliz do que eu:

Não adoece nem morre.


Com dez anos eu sabia

O que era verso e rima.

Me criei pisando em cima

Da terra da poesia.

Fiz glosa e fiz cantoria;

Glosei pouco e cantei ruim,

Que esse lugar é assim:

Pra fazer verso adoidado

Basta só ser batizado

Na matriz de Itapetim.


ZOLIMPÍADAS DO SERTÃO


Sonhei com as zolimpíadas

Chegando no meu sertão

Foi o maior espetáculo

Que se viu na região

Tinha gente que só a peste

Lá das brenhas do nordeste

Chegando de caminhão.


No desfile de abertura

A bandeira nordestina

Toda feita de retalhos

Pelas mãos de Severina

E eu ali, de camarote

O bode virou mascote

A tocha era a lamparina.


A nossa delegação

Pra conquistar os louros

Desfilou de guarda-peito

Gibão e chapéu de couro

E enfrentando a batalha

Conquistou muita medalha

De bronze, de prata e ouro.


Quem carregou a bandeira

Foi Ritinha de Zé Bento

Já a pira foi acesa

Por Tõím de Livramento

Nosso atleta principal

E recordista mundial

Do hipismo de jumento.


Antes das competições

Um lanche bem reforçado

Com buchada, cajuína

Rapadura e milho assado

Fava verde com galinha

Sarapatel com farinha

Angu com bode guisado.


Nas águas do Velho Chico

As provas de natação

Os pulos ornamentais

De cima de um paredão

Ginástica num terreiro

Remo e vela num barreiro

E judô num palhoção.


A maratona, seu moço

Era por nossas estradas

Atravessando os riachos

Nas veredas, nas quebradas

Da paisagem nordestina

Ao som do galo-campina

E da patativa golada.


Na competição de tiro

Os velhos de bacamarte

Pé de bode, granadeira

Vestimenta de zuarte

E davam cada pipoco

Do sujeito ficar mouco

De se ouvir em toda parte.


A prova de atletismo

Conhecida por carreira

De cem e duzentas léguas

Com barreira e sem barreira

Foi por dentro do cercado

Atravessando um roçado

Pelo mêi das capoeira.


Os saltos, lá no sertão

Eram provas de pinote

De riba de uma barreira

Num pedaço de caixote

O cabra de lá pulava

Num açude tibungava

Caindo feito um caçote.


O jogo de futebol

Se jogava sem chuteira

Num campo de chão batido

No alto d'ua ribanceira

As traves de barandão

O campo sem marcação

No calor e na poeira.


Levantamento de peso

Quem ganhou foi Bastião

Cinco sacos de farinha

Três arrobas de algodão

Pois esse peso todinho

Ele levantou sozinho

E se sagrou campeão.


O arremesso de pedra

Quem ganhou foi Expedito

No tiro com baladeira

Carmelita fez bonito

E já na queda de braço

O ouro foi pra Inaço

E a prata pra Benedito.


Fizeram de três batentes

Pódio pra premiação

Com uns ramos de onze-horas

Era a coroação

E numa latada de lona

Asa branca na sanfona

Completava a emoção.


E assim eu me acordei

Com orgulho do sertão

Desse povo vencedor

De tão grande coração

De história tão sofrida

Que nas batalhas da vida

Nasceu pra ser campeão.



Décimas de Almir Lyra, autor deste blog:


Mote: Como de costume, a gente

           Na rotina a enxugar gelos.

 

 Me levanto e a procuro

Porém, ela não acorda

Puxo o lençol pela borda

Para a cobrir, com apuro

Que o frio que sinta, eu juro

Riça de medo os meus pelos

Minha mão os seus cabelos

Acaricia suavemente

Como de costume, a gente

Na rotina a enxugar gelos.

 

Quase que apesar de mim

Faço nela esse carinho

Como sempre, em nosso ninho

Ela reage assim:

Vira-me as costas, enfim

Não se rende aos meus apelos

Mas cultivo os meus desvelos

Quase automaticamente

Como de costume, a gente

Na rotina a enxugar gelos.

 

Então, me visto depressa

Deixo o quarto pé ante pé

Sozinho, eu tomo o café

Saio, em silêncio e com pressa

Que estou atrasado à beça

São pontuais desmantelos

Regras não vão desfazê-los

Que hábito é coisa potente

Como de costume, a gente

Na rotina a enxugar gelos.

 

O céu tá cinza lá fora

Sinto frio, levanto a gola

O dia inteiro me amola

Vou fingir, vou fazer hora

Vou mesmo rir, e não demora

Vou viver meus pesadelos

Desencontros, atropelos

Contratempos do presente

Como de costume, a gente

Na rotina a enxugar gelos.

 

Mas o dia terminado

Eu voltarei da minha ‘gaza’

Como de hábito, ela de casa

Terá ido, e não voltado

Não ficarei revoltado

Pois não vejo desmazelos

Não se conseguem degelos

Num peito frio e descrente

Como de costume, a gente

Na rotina a enxugar gelos.

 

Sozinho, eu vou me deitar

Nessa grande cama fria

As lágrimas do dia a dia

Pra esconder vou me esforçar

Mesmo à noite, eu vou tentar

Não ter dor de cotovelos

Com tácitas regras modelos

Vou fingir não tê-la ausente

Como de costume, a gente

Na rotina a enxugar gelos.

 

Enfim, ela voltará

E eu, então, a esperarei

Nisso já me acostumei

Ela vem, me sorrirá

Depois me abraçará

E embora abraços vou tê-los

Do pescoço aos tornozelos

O iceberg é resistente

Como de costume, a gente

Na rotina a enxugar gelos.


Martelo agalopado de Almir Lyra, autor deste blog, inspirado no cego que mascava chicles, do conto 'Amor", de Clarice Lispector:


Mote: Justo quando já vai dar no chiclete

           O pai toma da boca o pirulito.


Toda criança normal vai gostar

De bombom, pirulito, coisa doce

Vai morder e triturar como se fosse

Vir o pai, de repente, pra tomar

Tem guloseima que é só pra chupar

Que pode ter ou não ter um palito

Mas a que é pra mascar, o pequenito

Vai ter de se esconder no toalete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

O pai até dá essa guloseima

Um chupa-chupa com um chicle que cora

Porém, diz pro moleque jogar fora

A goma de mascar, mas se ele teima

A lapada que leva, o couro queima

Por ter mordido o chiclete maldito.

É a norma do pai que gera o delito

Que da ignorância ele é marionete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

Depois que a meninada curiosa

Vê a mágica do chiclete acontecer

Não tem como não invejar o prazer

De encher com a boca u’a bola formosa

Que a luz refletindo a torna pomposa

Com cores da íris do arco bendito

A Terra é uma bola e nela tá escrito:

Lidar com as bolas é o que nos compete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

Brincar com uma bola é bom pra saúde

Jogar futebol com bola de meia

Tênis de mesa e vôlei de areia

Basquete, sinuca e bola de gude

Dente de leite no leito de açude

Bola de couro pra um drible bonito

Só a bola do chicle gera um conflito

Que pode acabar num grande bufete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

A bola do globo é para estudar

A esfera de aço é pro rolamento

A bola da lua tá no firmamento

A bola do olho é pra enxergar

As bolas pro cão, pro gato emprenhar

Bola é o quengo do homem erudito

Só a bola do chicle porta esse mito

Que deixa é aflito o pai do pivete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

A lenda que acompanha gerações

Que proíbe, disciplina e controla

Não vingou, que a turma disse: não amola

Isso não pode oprimir corações

Já Woodstock com as suas canções

Disse aos jovens: não liguem pr’esse mito

Que fumem, que bebam e masquem o dito

Chicle de bola, que é feito em tablete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

O pai, na sua ignorância, tem medo

Que o menino engula aquela borracha

Ele compra, e só dá porque não acha

Um doce de puxa de lamber o dedo

Mas o vendedor, que guarda um segredo,

Não conta pro pai, que o deixa aflito

É que ele defende o chicle proscrito

Pois vende tanto que enche a pochete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

O filho sofreu com a má influência

Ficou dessa vez tão sugestionado

Que a neura do pai, já tendo herdado,

Se manifestou na boba ocorrência

Chorou, que engoliu, e após a imprudência

Pediu pro seu pai, com urgência, um perito

Me salve, ou já, já meu corpo não habito

Meu bucho precisa é de um canivete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

O pai não sabe é que nada acontece

Se for engolida a goma preguenta

Não é substância com que se alimenta

Mas dando bobeira, escorrega e desce

Porque, mastigando, a goma amolece

Já tá na goela – o pai diz: não acredito!

Arregala os ói, aí solta um grito

Com as mãos na cabeça, se foi o topete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

No desespero, esse pai se maldiz

Por que diacho comprei esse confeito?

E a dor da culpa que sente no peito

Que a vida do filho está por um triz

Deseja morrer por ser um infeliz

Pra ir com o guri pro céu infinito

Papa uma ruma de chicle, expedito

Que agrava os danos da sua diabete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

Já entre a vida e a morte, o infausto pai

Descobre na UTI do hospital

Que engolir só a goma não faz mal.

Por causa do açúcar é que ele se vai

Pois da barriga a borracha já sai

Como as bolinhas do cocô do cabrito

Que o filho tá são, mas ele tá frito

E sua ignorância vai dar é manchete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

A goma só vai descer na garganta

Sem entupir o esôfago, que é o canal

Que leva ao estômago, que engole até pau.

Não prega as cordas por onde se canta

Nem cola as tripas com o almoço e com a janta.

Já na digestão, seguindo um só rito

No fim, sai o chicle que tava constrito

No mesmo canal que passa a baguete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.

 

Nunca vai ser possível alguém saber

Do quanto a santa ignorância é capaz

Não é só um ingênuo que se compraz

Em se fechar pro que não quer entender

Na verdade, é um idiota pra temer

Crença absurda, e quem crê vai interdito

Jamais se viu em nenhum manuscrito

Tal embuste, de baixar o cassetete

Justo quando já vai dar no chiclete

O pai toma da boca o pirulito.



Martelo agalopado de Almir Lyra, autor deste blog, em homenagem ao seu amiguinho de patas:


O meu amigo não chamo de cão

E é só a ele que chamo de amigo

Na dor, na alegria tá sempre comigo.

Me dando a patinha, eu sinto é a mão

De um anjo que toca o meu coração

É o meu parceiro e está sempre por perto

É o meu oásis em pleno deserto

Me abraça, me beija com suas lambidas.

Ah! como eu trocaria as nossas vidas

Pra que vivesse mais que eu, decerto!

 

Nem trato o meu amigo por cachorro

Que essa palavra só lembra uma ofensa

E o meu respeito tem base na crença

De que o meu amigo é que é meu socorro

Só por ele me sacrifico e morro

É fiel, protetor e companheiro

Me alegra, me faz festa o dia inteiro

Mas também sabe escutar-me os lamentos

Me olhando com ternura, esses momentos

Evaporam ante um amor verdadeiro.

 

Meu amigo é o meu relógio de pelo

Se acorda com o canto dos passarinhos

Se sacode, se lambe, faz ruidinhos.

Com o focinho a cheirar o meu cabelo

Me chama pra atender ao seu apelo:

Irmos juntos ao passeio matinal

E, depois, jogar bolinha no quintal

Assim, já começamos nosso dia

Compartilhando um com o outro a alegria

De cuidar um do outro até o final.

 

Até o final da vida, meu irmão,

Que o nosso amor é incondicional.

Meu camarada eu chamo de ‘au au’

A gente brinca, se enrola no chão.

Se pega um osso, dá u'a de brabão

Finjo uma luta, mas vem o cansaço

E juntos dormimos no mesmo espaço

Eu sobre a cama; ele embaixo, de banda

Que ele escolheu, pois o instinto comanda

Mas um sem o outro não damos um passo.

 

Lá vem meu amigo, a cauda abanando

Brinquedo na boca, todo contente

Às vezes, absorto, estou tão ausente

Mas ele, latindo, dá-me um comando

Aí volto a mim e fico pensando

Por que é tão curta a vida deste ser?

Talvez isso o leve a um intenso viver,

Que um tal sentido de urgência o toma

E, brincando, se ocupa em sua redoma

Pois não luta mais pra sobreviver.

 

Que essa necessidade de lutar

Dia após dia sem sequer ter descanso

Não faz mais sentido a um ser que é tão manso

Que nem sabe mais o que é o caçar

Jamais poderia de novo matar

Nem que só fosse pra matar sua fome

E agora só dorme e brinca e come.

Por minha causa, que o tirei da natura,

Desviou-se de sua essência mais pura

Mas se adaptou e até tem um nome.

 

Sei que o Pai Celeste tem os seus planos

Sei da perfeição de Suas decisões

Vinte anos de vida deu aos leões

Há tartarugas com duzentos anos

E porque Ele não comete enganos

Deu à espécie do meu amigo uns doze,

A beleza do porte e aquela pose

Comportado, com uns olhos de pidão

Dando a patinha por um taco de pão

Chega dá pena negar um pão doce.

 

Mas Deus me faz compreender a razão

Do pouco tempo de vida do amigo.

Se fico triste que seja exíguo

Sua brevidade me deixa u’a lição

Esse bichinho só me lembra do quão

Também é breve essa minha existência

Pra quê vaidade, pra quê opulência

Se é melhor viver na simplicidade?

Sua morte me põe ante a minha verdade

Sou pó e vou só, com a minha consciência.

 

Ele me mostra que a morte é real

Não sou eterno nem sou u’a semente

Que brota da terra com um mês de ausente

Da vida efêmera do reino animal.

Ele ir primeiro que eu é o normal

Mas há um dilema que logo me invade:

Se antes eu for, parto dele a metade

Que os uivos mais tristes na noite escura

Dará só velando a minha sepultura

E ele indo antes, morro é de saudade.


Lá no céu, seu tutor é São Francisco

Protetor desta amável criatura

Que mais parece, ao fazer travessura

Criança peralta atrás de um petisco

U'a eterna criança, às vezes arisco

Se lhe aponto a mangueira no quintal.

Sentido à minha vida deu-me este au au

Desde que Deus uniu nossos destinos

Vivemos felizes qual dois meninos

No perpétuo parquinho de Charle Brau.

6 comentários:

Anônimo disse...

Olá gostei muito do blog.

Gostaria de saber se você conhece esta letra:
"QUANDO DEUS CRIOU O MUNDO CONFORME A BIBLIA REVELA FEZ O HOMEM SER DE BARRO E A MULHER DA SUA COSTELA PROVANDO QUE DESTA FORMA É ELE QUEM MANDA NELA"
Queria achar esta música...
Abraços,

Rau Ferreira disse...

O poeta presente, cordel de Rau Ferreira

À João [Benedito] Viana dos Santos

Nas ruas e praças desta cidade
Cantadores e violeiros de repente
Em sua simplicidade
Declamaram em voz corrente.

Um negro alto e valente
Cheio de lorota e fogosidade
Analfabeto e discrente
Da sua triste realidade:

Vejo a minha mocidade
Comparo o tempo presente
Que grande desigualdade
Que saudade a gente sente.

Ontem fui fogo ardente
Com o vigor da mocidade
Hoje o velho doente
Não encanta mais a sociedade.

Na sua fragilidade
Dominava o impulso da mente
E com tal sagacidade
Deixava a todos contente.

João Viana – de nascente,
João Benedito, de batisdade
Surgiu como o sol poente
Que se enche de luminosidade.

Um precursor indolente
Passou com a velocidade
E outros a sua historicidade
Trouxeram incansavelmente.

Não posso almejar felicidade
Ah! esse mundo está muito diferente
Amparai-me por bondade
Pois o tempo me é conveniente.

Sigo feliz e contente
Ouvindo da juventude a maldade
Vou rimando e fazendo repente
Enquanto não vem a mortandade.

Pois se há duas ambigüidades
- homem e tempo, seu contingente –
Muito mais há fatalidades
Em se viver eternamente.

Enfim não deixou parente
Apesar da sua longevidade
Nem tão pouco descendente
Que lhe desse continuidade.

As regalias sem irmandade
Delas querer gozar somente.
É a mais pura ingenuidade
Pensa o homem erroneamente.

De mãos vazias vem o decadente
E em toda a sua vaidade
Esquece o homem simplesmente
E vazio parte na igualdade.

Viveu portanto à marginalidade
Do seu tempo tão presente
Ganhou em si notoriedade
Dos cantadores e do repente.

A filosofia e a moralidade
Desta figura vivente
Encerramos na verdade
Que este livro lhe consente.

Rau Ferreira

Unknown disse...

gosto muito de poesias e a vocês
eu agradeço são poesias muito boas
e merecem todo respeito guando deus
vinhe na terra não se preocupem com
certeza ele tem seus endereços.

denise disse...

Aff! gostei demais, ri que chorei.

Unknown disse...

Ja tive oportunidade de visitar muitos blogs, mas igual a tamanha cultura que aqui se encontra, faço minha genuflexão e sinto-me honrado em aplaudir esta riqueza em conhecimentos na informação de cultura. Parabéns!

José Roberto disse...

(Brincando de Zé Limeira)

A mulher veio do pó
Adão cortou-lhe as costelas
Trouxeram numa gamela
A cabeçorra de Jó
A mulher do faraó
Enforcou o Cristo rei
Se as mãos lavou, eu não sei
Quarenta 'dia' em jejum
Chegando em Cafarnaum
Pilóti elegeu-se rei!

Ladrão que rouba, é ladrão
Mulher que é namoradeira
Namora na sexta-feira
Emprenha no São João
Por onde passa o feijão
Por certo é que o sol não passa
Caninha, pinga e cachaça
'Pioi' de cobra e lacrau
Xerém, cuzcuz e curau
Banda de 'pifo' na praça!

O velho Vaz de Caminha
Foi poeta e carniceiro
Lá no Rio de Janeiro
Na favela da Rocinha
Criava porco e galinha
Plantava 'míi' di pipoca
Mosquito de muriçoca
Garrafada e "mé di abeia'
Mulher das unhas 'vermeia'
Surfista de pororóca!

Já disse o rei do cangaço
Sentado e pedindo a janta
Madalena não foi santa
promode perdeu o cabaço
Torcicolo no espinhaço
Diploma de deputado
Xerém de pirão assado
'Piscão'de xibiu de freira
Deus me livre, é sexta-feira
Adeus, já tô atrasado!

Foi num porto da Bahia
Que Dom João chegou bem cedo
Dava pra contar no dedo
A bagagem que trazia
Uma dúzia de bacia
Dois fardos de algodão
Gasolina de avião
Do café, trouxe a semente
Duas bíblias, uma de crente
Outra do Rei Salomão

Madame Helena de Tróia
Nunca gostou de cavalo
"Míi' verde bo, só no ralo
Peixe de rio: Pirambóia
Ferida de 'gonorróia'
Um sapo enrabando a rã
Valei-me, santa Inhansã
Dos males da ferradura
Dois metros de rapadura
'Toicin' de porca marrã!

Dilma Rousseff jamais
Dormiu c'Eduardo Cunha
Quebrou a ponta da unha
Coçando a "parte de trás"
Garrafada de açafrás
Cio de freira de convento
Cinquenta e cinco e quinhentos
Custou a faixa benzida
Noves fora; "tchau querida"
Saudando e ensacando vento!

O profeta Maomé
Foi demagogo em Angico
Traficava grão-de-bico
Cantava num cabaré
Foi homem de muita fé
Porém, jamais foi à missa
De manhã tinha preguiça
A noite sempre ocupado
Correndo de delegado
Sub-chefe de 'puliça'!