Patativa do Assaré



Patativa do Assaré é o nome artístico de Antônio Gonçalves da Silva, poeta nascido em Assaré - Ceará, em 1909, e falecido em 2002.

A terra é nossa

A terra é um bem comum
Que pertence a cada um.
Com o seu poder além,
Deus fez a grande Natura
Mas não passou escritura
Da terra para ninguém.

Se a terra foi Deus quem fez,
Se é obra da criação,
Deve cada camponês
Ter uma faixa de chão.

Quando um agregado solta
O seu grito de revolta,
Tem razão de reclamar.
Não há maior padecer
Do que um camponês viver
Sem terra pra trabalhar.

O grande latifundiário,
Egoísta e usurário,
Da terra toda se apossa
Causando crises fatais
Porém nas leis naturais
Sabemos que a terra é nossa.

A terra é naturá

Sinhô doutô, meu ofício
É servir ao meu patrão.
Eu não sei fazê comício,
Nem discurso, nem sermão;
Nem sei as letra onde mora,
Mas porém, eu quero agora
Dizê, com sua licença,
Uma coisa bem singela,
Que a gente pra dizer ela
Não precisa de sabença.

Se um pai de famia honrado,
Morre, deixando a famia,
Os seus fiinho adorado
Por dono da moradia,
E aqueles irmão mais véio,
Sem pensá nos Evangéio,
Contra os novo a toda hora
Lança da inveja o veneno
Inté botá os mais pequeno
Daquela casa pra fora.

Disso tudo o resultado
Seu doutô sabe a verdade,
Pois, logo os prejudicado
Recorre às autoridade;
E no chafurdo infeliz
Depressa vai o juiz
Fazê a paz dos irmão
E se ele for justiceiro
Parte a casa dos herdeiro
Pra cada qual seu quinhão.

Seu doutô, que estudou muito
E tem boa educação,
Não ignore este assunto
Da minha comparação,
Pois este pai de famia
É o Deus da Soberania,
Pai do sinhô e pai meu,
Que tudo cria e sustenta,
E esta casa representa
A terra que Ele nos deu.

O pai de famia honrado,
A quem tô me referindo,
É Deus nosso Pai Amado
Que lá do Céu tá me ouvindo,
O Deus justo que não erra
E que pra nós fez a terra,
Este planeta comum;
Pois a terra com certeza
É obra da natureza
Que pertence a cada um.

Esta terra é como o Sol
Que nasce todos os dia
Brilhando o grande, o menor
E tudo que a terra cria.
O sol clareia os monte,
Também as água das fonte,
Com a sua luz amiga,
Protege, no mesmo instante,
Do grandaião elefante
A pequenina formiga.

Esta terra é como a chuva,
Que vai da praia a campina,
Molha a casada, a viúva,
A véia, a moça, a menina.
Quando sangra o nevoeiro,
Pra conquistá o aguaceiro
Ninguém vai fazê fuxico,
Pois a chuva tudo cobre,
Molha a tapera do pobre
E a grande casa do rico.

Esta terra é como a lua,
Este foco prateado
Que é do campo até a rua,
A lâmpada dos namorado;
Mas, mesmo ao véio corcundo,
Já com ar de moribundo
Sem amô, sem vaidade,
Esta lua cor de prata
Não lhe deixa de ser grata;
Lhe manda claridade.

Esta terra é como o vento,
O vento que, por capricho
Assopra, às vez, um momento,
Brando, fazendo cochicho.
Outras vez, vira o capêta,
Vai fazendo piruêta,
Roncando com desatino,
Levando tudo de móio
Jogando arguêiro nos óio
Do grande e do pequenino.

Se o orguiôso pudesse
Com seu rancô desmedido,
Talvez até já tivesse
Este vento repartido,
Ficando com a viração
Dando ao pobre o furacão;
Pois sei que ele tem vontade
E acha mesmo que precisa
Gozá de frescor da brisa,
Dando ao pobre a tempestade.

Pois o vento, o sol, a lua,
A chuva e a terra também,
Tudo é coisa minha e sua,
Seu doutô conhece bem.
Pra se sabê disso tudo
Ninguém precisa de estudo;
Eu, sem escrevê nem ler,
Conheço desta verdade,
Seu dotô, tenha bondade
De ouvir o que vou dizê.

Não invejo o seu tesouro,
Sua mala de dinheiro
A sua prata, o seu ouro
O seu boi, o seu carneiro
Seu repouso, seu recreio,
Seu bom carro de passeio,
Sua casa de morar
E a sua loja sortida,
O que quero nesta vida
É terra pra trabaiá.

Escute o que tô dizendo,
Seu doutô, seu coroné:
De fome tão padecendo
Meus fio e minha muié.
Sem briga, questão nem guerra,
Meça desta grande terra
Umas tarefa pra eu!
Tenha pena do agregado
Não me deixe deserdado
Daquilo que Deus me deu.


O operário e o agregado


Sou matuto do Nordeste,
Criado dentro da mata.
Caboclo cabra da peste,
Poeta cabeça-chata.
Por ser poeta roceiro,
Eu sempre fui companheiro
Da dor, da mágoa e do pranto.
Por isso, por minha vez,
Vou falar para vocês
O que é que eu sou e o que eu canto:

Sou poeta agricultor,
Do interior do Ceará.
A desdita, o pranto e a dor,
Canto aqui e canto acolá.
Sou amigo do operário
Que ganha um pobre salário,
E do mendigo indigente.
E canto, com emoção,
O meu querido sertão
E a vida de sua gente.

Procurando resolver
Um espinhoso problema,
Eu procuro defender,
No meu modesto poema,
Que a santa verdade encerra,
Os camponeses sem terra
Que os céus desse Brasil cobre,
E as famílias da cidade
Que sofrem necessidade,
Morando no bairro pobre.

Vão no mesmo itinerário,
Sofrendo a mesma opressão.
Na cidade, o operário;
E o camponês, no sertão.
Embora, um do outro ausente,
O que um sente, o outro sente.
Se queimam na mesma brasa
E vivem na mesma guerra:
Os agregados, sem terra;
E os operários, sem casa.

Operário da cidade,
Se você sofre bastante,
A mesma necessidade
Sofre o seu irmão distante.
Sem direito de carteira,
Levando vida grosseira,
Seu fracasso continua.
É grande martírio aquele.
A sua sorte é a dele
E a sorte dele é a sua!

Disso, eu já vivo ciente:
Se, na cidade, o operário
Trabalha constantemente
Por um pequeno salário,
Lá no campo, o agregado
Se encontra subordinado
Sob o jugo do patrão,
Padecendo vida amarga,
Tal qual o burro de carga,
Debaixo da sujeição.

Camponeses, meus irmãos,
E operários da cidade,
É preciso dar as mãos
E gritar por liberdade.
Em favor de cada um,
Formar um corpo comum,
Operário e camponês!
Pois, só com essa aliança,
A estrela da bonança
Brilhará para vocês!

Uns com os outros se entendendo,
Esclarecendo as razões.
E todos, juntos, fazendo
Suas reivindicações
Por uma democracia
De direito e garantia
Lutando, de mais a mais.
São estes os belos planos,
Pois, nos Direitos Humanos,
Nós todos somos iguais!

Cante lá, que eu canto cá

Poeta, cantô da rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua,
Que eu canto o sertão que é meu.
Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisá
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá, que eu canto cá.


Você teve educação,
Aprendeu muita ciência,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa experiência.
Nunca fez uma boa palhoça,
Nunca trabalhou na roça,
Não pode conhecê bem,
Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem.


Pra gente cantá o sertão,
Precisa nele morá,
Tê almoço de feijão
E a janta de mugunzá,
Vivê pobre, sem dinheiro,
Trabalhando o dia inteiro,
Socado dentro do mato,
De aprecata currelepe,
Pisando em riba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato.


Você é muito ditoso,
Sabe lê, sabe escrevê,
Pois vá cantando o seu gôzo,
Que eu canto meu padecê.
Enquanto a felicidade
Você canta na cidade,
Cá no sertão eu enfrento
A fome, a dô e a miséria.
Pra sê poeta deveras,
Precisa tê sofrimento.


Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de ouro,
Para a gente sertaneja
É perdido este tesouro.
Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão direito
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.

Só canta o sertão direito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem proteção de ninguém,
Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciência de Jó,
Puxando o cabo da enxada,
Na quebrada e na chapada,
Molhadinho de suó.


Amigo, não tenha queixa,
Veja que eu tenho razão
Em lhe dizê que não mêxa
Nas coisa do meu sertão.
Pois, se não sabe o colega
De qual maneira se pega
Num ferro pra trabalhá,
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá que eu canto cá.


Repare que a minha vida
É diferente da sua.
A sua rima polida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem diferente,
Meu verso é como a semente
Que nasce em riba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obras da criação.


Mas porém, eu não invejo
O grande tesouro seu,
Os livros do seu colégio,
Onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta
E fazê rima completa,
Não precisa professô;
Basta vê no mês de maio,
Um poema em cada galho
E um verso em cada fulô.


Seu verso é uma mistura
É um tal sarapaté,
Que quem tem pouca leitura,
Lê, mas não sabe o que é.
Tem tanta coisa encantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistério e condão
E outros negócio impossive.
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.


Canto as fulô e os abróio
Com todas coisas daqui:
Pra toda parte que eu óio
Vejo um verso se bulí.
Se às vez andando no vale
Atrás de curá meus males
Quero repará pra serra,
Assim que eu óio pra cima,
Vejo um dilúvio de rima
Caindo em riba da terra.

Mas tudo é rima rasteira
De fruta de jatobá,
De folha de gameleira
E fulô de trapiá,
De canto de passarinho
E da poeira do caminho,
Quando a ventania vem,
Pois você já tá ciente:
Nossa vida é diferente
E nosso verso também.


Repare que diferença
Existe na vida nossa:
Enquanto eu tô na sentença,
Trabalhando em minha roça,
Você lá no seu descanso,
Fuma o seu cigarro manso,
Bem perfumado e sadio;
Já eu, aqui tive a sorte
De fumá cigarro forte
Feito de palha de milho.


Você, vaidoso e faceiro,
Toda vez que quer fumá,
Tira do bolso um isqueiro
Do mais bonito metá.
Eu que não posso com isso,
Puxo por meu artifício
Arranjado por aqui,
Feito de chifre de gado,
Cheio de algodão queimado,
Boa pedra e bom fuzí.


Sua vida é divertida
E a minha é grande pena.
Só numa parte de vida
Nós dois samo bem iguá:
É no direito sagrado,
Por Jesus abençoado
Pra consolá nosso pranto,
Conheço e não me confundo
Da coisa melhó do mundo
Nós goza do mesmo tanto.


Eu não posso lhe invejá
Nem você invejá eu
O que Deus lhe deu por lá,
Aqui Deus também me deu.
Pois minha boa mulhé,
Me estima com muita fé,
Me abraça, beija e quer bem
E ninguém pode negá
Que das coisa naturá
Tem ela o que a sua tem.


Aqui findo esta verdade.
Toda cheia de razão:
Fique na sua cidade
Que eu fico no meu sertão.
Já lhe mostrei um espêio,
Já lhe dei grande consêio
Que você deve tomá.
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá que eu canto cá.


O Sabiá e o Gavião

Eu nunca falei à toa.
Sou um cabôco roceiro,
Que sempre das coisa boa
Eu tive um certo tempero.
Não falo mal de ninguém,
Mas vejo que o mundo tem
Gente que não sabe amá,
Não sabe fazer carinho,
Não quer bem a passarinho,
Não gosta dos animá.

Já eu sou bem diferente.
A coisa mió que eu acho
É num dia muito quente
Eu i me sentar debaixo
De um copado juazeiro,
Pra escutar prazenteiro
Os passarinho cantá,
Pois aquela poesia
Tem a mesma melodia
Dos anjo celestiá.

Não há flauta nem piston
Das banda rica e granfina
Pra ser sonoroso e bom
Como o galo de campina,
Quando começa a cantá
Com sua voz naturá,
Onde a inocência se encerra,
Cantando na mesma hora
Que aparece a linda aurora
Beijando o rosto da terra.

O sofreu e a patativa
Com o canário e o campina
Tem canto que me cativa,
Tem música que me domina,
E inda mais o sabiá,
Que tem primeiro lugar,
É o chefe dos seresteiro,
Pássaro nenhum lhe condena,
Ele é dos músicos da pena
O maior do mundo inteiro.

Eu escuto aquilo tudo,
Com grande amor, com carinho,
Mas, às vez, fico sisudo,
Pruquê contra os passarinho
Tem o gavião maldito,
Que, além de muito esquisito,
Como igual eu nunca vi,
Esse monstro miserave
É o assassino das ave
Que canta pra gente ouvir.

Muitas vez, jogando o bote,
Mais pior de que a serpente,
Leva dos ninho os filhote
Tão lindo e tão inocente.
Eu comparo o gavião
Com esses farão cristão
Do instinto cruel e feio,
Que sem ligar gente pobre
Quer fazer papel de nobre
Chupando o suor alheio.

As Escritura não diz,
Mas diz o coração meu:
Deus, o maior dos juiz,
No dia que resolveu
A fazer o sabiá
Do mió materiá
Que havia em riba do chão,
O Diabo, muito enxerido,
Lá num cantinho, escondido,
Também fez o gavião.

De todos que se conhece
Aquele é o pássaro mais ruim
É tanto que, se eu pudesse,
Já tinha lhe dado fim.
Aquele bicho devia
Viver preso, noite e dia,
No mais escuro xadrez.
Já que tô de mão na massa,
Vou contar a grande arruaça
Que um gavião já me fez.

Quando eu era pequenino,
Saí um dia a vagar
Pelos matos sem destino,
Cheio de vida a escutar
A mais sublime beleza
Das músicas da natureza
E bem no pé de um serrote
Achei num pé de juá
Um ninho de sabiá
Com dois mimoso filhote.

Eu senti grande alegria,
Vendo os filhote bonito.
Pra mim eles parecia
Dois anjinho do Infinito.
Eu falo sério, não minto.
Achando que aqueles pinto
Era santo, era divino,
Fiz do juazeiro igreja
E beijei, como quem beija
Dois Santo Antõi pequenino.

Eu fiquei tão prazenteiro
Que me esqueci de almoçar,
Passei quase o dia inteiro
Naquele pé de juá.
Pois quem ama os passarinho,
No dia que encontra um ninho,
Somente nele imagina.
Tão grande a demora foi,
Que mamãe (Deus lhe perdoe)
Foi comigo à disciplina.

Meia légua, mais ou meno,
Se medisse, eu sei que dava,
Dali, daquele terreno
Pra palhoça onde eu morava.
Porém, eu não tinha medo,
Ia lá sempre em segredo,
Sempre escondido, sozinho,
Temendo que algum menino,
Desses perverso e maligno
Mexesse nos passarinho.

Eu mesmo não sei dizer
O quanto eu tava contente
Não me cansava de ver
Aqueles dois inocente.
Quanto mais dia passava,
Mais bonito eles ficava,
Mais maior e mais sabido,
Pois não tava mais pelado,
Os seus corpinho rosado
Já tava tudo vestido.

Mas, tudo na vida passa.
Amanheceu certo dia
O mundo todo sem graça,
Sem graça e sem poesia.
Qualquer pessoa que visse
E um momento refletisse
Nessa sombra de tristeza,
Dava pra ficar pensando
Que alguém tava malinando
Nas coisa da Natureza.

Na copa dos arvoredo,
Passarinho não cantava.
Naquele dia, bem cedo,
Somente a coã mandava
Sua cantiga medonha.
A manhã tava tristonha
Como casa de viúva,
Sem prazer, sem alegria
E de quando em vez, caía
Um sereninho de chuva.

Eu olhava pensativo
Para o lado do Nascente
E não sei por qual motivo
O sol nasceu diferente,
Parece que arrependido,
Detrás das nuvem, escondido.
E como o cabra zanôio,
Botava bem traiçoeiro,
Por detrás dos nevoeiro,
Só um pedaço do ôio.

Uns nevoeiro cinzento
Ia no espaço correndo.
Tudo naquele momento
Eu olhava e tava vendo,
Sem alegria e sem jeito,
Mas, porém, eu satisfeito,
Sem com nada me importar,
Saí correndo, aos pinote,
E fui reparar os filhote
No ninho do sabiá.

Cheguei com muito carinho,
Mas, meu Deus! que grande agouro!
Os dois velhos passarinho
Cantava num som de choro.
Ouvindo aquele gorjeio,
Logo no meu corpo veio
Certo chamego de frio
E subindo bem ligeiro
Pr’as galha do juazeiro,
Achei o ninho vazio.

Quase que eu dava um desmaio,
Naquele pé de juá
E lá da ponta de um gaio,
Os dois velhos sabiá
Mostrava no triste canto
Uma mistura de pranto,
Num tom penoso e funéreo,
Parecendo mãe e pai,
Na hora que o filho vai
Se enterrar no cemitério.

Assistindo àquela cena,
Eu juro pelo Evangelho
Como solucei com pena
Dos dois passarinho velho
E ajudando aquelas ave,
Nesse ato desagradave,
Chorei fora do comum:
Tão grande desgosto tive,
Que o meu coração sensive
Aumentou seus baticum.

Os dois passarinho amado
Tiveram sorte infeliz,
Pois o gavião malvado
Chegou lá, fez o que quis.
Os dois filhote tragou,
O ninho desmantelou
E lá pras banda do céu,
Depois de devorar tudo,
Soltava o seu grito agudo
Aquele assassino incréu.

E eu com o maior respeito
E com a suspiração perra,
As mão posta sobre o peito
E os dois joelho na terra,
Com uma dor que consome,
Pedi logo em santo nome
Do nosso Deus Verdadeiro,
Que tudo ajuda e castiga:
Espingarda te persiga,
Gavião arruaceiro!

Sei que o povo da cidade
Uma ideia inda não fez
Do amor e da caridade
De um coração camponês.
Eu sinto um desgosto imenso
Todo momento que penso
No que fez o gavião.
E em tudo o que mais me espanta
É que era Semana Santa!
Sexta-feira da Paixão!

Com triste recordação
Fico pra morrer de pena,
Pensando na ingratidão
Naquela manhã serena
Daquele dia azalado,
Quando eu saí animado
E andei bem meia légua
Pra beijar meus passarinho
E encontrei vazio o ninho!
Gavião fí duma égua!



Menino de Rua

Menino de Rua, garoto indigente
Infante carente,
Não sabe onde vai
Menino de Rua, assim maltrapilho
De quem tu és filho
Onde anda o teu pai?

Tu vagas incerto, não achas abrigo
Exposto ao perigo
De um drama de horror
É sobre a sarjeta que dormes teu sono,
No grande abandono
Não tens protetor

Meu Deus! Que tristeza! Que vida esta tua
Menino de Rua,
Tu andas em vão
Ninguém te conhece, nem sabe o teu nome
Com frio e com fome
Sem roupa e sem pão

Ao léu do desprezo, dormes ao relento
O teu sofrimento
Não posso julgar,
Ninguém te auxilia, ninguém te consola,
Cadê tua escola,
Teus pais e teu lar?

Seguindo constante teu duro caminho
Tu vives sozinho
Não és de ninguém
Às vezes pensando na vida que levas
Te ocultas nas trevas
Com medo de alguém

Assim continuas de noite e de dia
Não tens alegria
Não cantas nem ri
No caos de incerteza que o seu mundo encerra
Os grandes da terra
Não zelam por ti
Teus olhos demonstram a dor, a tristeza,
Miséria, pobreza
E cruéis privações
E enquanto estas dores tu vives penando,
Vão ricos roubando
Milhões e milhões
Garoto eu desejo que, em vez deste inferno
Tu tenhas caderno
Também professor
Menino de Rua, de ti não me esqueço
E aqui te ofereço

Meu canto de dor.


Poema recitado no filme 'Ave Poesia'


Reforma Agrária é assim


Cabôco Mané Lourenço,
Meu colega e meu amigo,
Que pensa aquilo que eu penso
E diz aquilo que eu digo,
Nós somos da mesma laia
Dos coitado que trabaia
Ou na diária ou de meia.
Nós pertence à mesma classe
Dessas criança que nasce
Em riba da terra alheia.

Nós matuto brasileiro
Vivemos no cativeiro.
A terra desta nação
Pra todo lado se expande
Dominada pelos grande,
E o pobre na sujeição.
Era só o que faltava!
Deus fez a terra pra gente
Plantar feijão, milho e fava,
Arroz e toda semente.

E este latifundiário,
Egoísta e usurário,
Sem quê nem pra quê se apossa.
E nós nesse cativeiro
Sendo agregado ou meeiro
Da mesma terra que é nossa.
Ninguém vê, ninguém repara
Esse grande padecer.
Por isso, a reforma agrária
Nós mesmos vamos fazer.

Nós todos junto: os sem-terra,
Por vale, sertão e serra,
Promovendo uma campanha,
Abalando a toda gente,
Ficando assim igualmente
Formigas quando se assanha.
E você, Mané Lourenço,
Que tem a voz forte e grossa
E pensa aquilo que eu penso,
Vai gritando: "a terra é nossa!"

E se o poderoso ingrato,
Impiedoso e inclemente,
Mandar forças para o mato,
Pra mode atirar na gente,
Ninguém vai temer a guerra;
Vamo é defender a terra.
Quem precisa é quem se estira.
E fome não é brinquedo.
Vai correr gente com medo,
Como caça em macambira.

Sem-terra medo não tem,
Pobre coragem possui.
Quando as forças matar cem,
Vem mil e substitui.
É mesmo de fazer pena
Essa pavorosa cena:
Morre cem de quando em quando,
Mil vai substituindo.
Os moço pro céu subindo,
E os vivo embaixo lutando.

Que devido a nós sofrer,
Igual a boi na manjarra,
Somo obrigado a fazer
Reforma agrária na marra
Pra neto, pra filho e pai.
A reforma agora sai!
Se achem bom ou se achem ruim,
Seja na guerra ou na paz,
Seu doutor, a gente faz!
Reforma agrária é assim!

7 comentários:

Anônimo disse...

Patativa foi, sem dúvidas, um dos melhores poetas brasileiros.

Anônimo disse...

Patativa não foi, ele é um dos maiores, por que quem tem a capacidade de criar, de fazer pensar e refletir jamais morre. Patativa eternizou- se em suas palavras, em suas rimas, e nos deixou uma herança infindável que é a esperança de manter sempre viva a literatura de cordel e nela poder expressar o amor pelo nosso sertão.

Anônimo disse...

Patativa do Assaré o rei do cordel

Anônimo disse...

Patativa do Assaré defendia seu sertão
o povo da cidade defende o cidadão

Ari Wellington disse...

NORDESTINO SIM. NODESTINADO, NÃO

https://www.youtube.com/watch?v=PodJ8pP5M3c

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Tenho andado distraído, impaciente e indeciso, ainda estou confuso, mais agora é diferente, estou tão tranquilo e tão contente. É isso aí minha gente, tenho
lido grandes nomes da poesia: Mário Quintana, Carlos Drummond, Renato Russo; são todos muito bons, todavia o nosso grande mestre da poesia brasileira, o nosso Camões tupiniquim sempre será Patativa do Assaré.