quarta-feira, 25 de maio de 2011

A Ira dos Justos

Tá lá na Bíblia, doutor
Salomão pensando a sério:
-- Digo que parto o inocente
E resolvo o caso, espero
Que a mãe verdadeira dirá:
-- Leve-o. Mas vivo o quero.

Será que o rei Salomão
Na sua sabedoria
Não fingiu estar zangado
Pra que cressem que faria
O que havia decidido
E melhor justiça daria?

E Jesus não se zangou
Virando bancas, quebrando
Ao ver no templo sagrado
Fariseus mercadejando?
Pois é da ira dos justos
Que estamos falando.

Só não vamos confundi-la
Com a zanga da arrogância
Da demissão que humilha
Da sentença que é vingança
Pois não havendo justiça
Não é boa ira -- é prepotência.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A Forca

(dance)Carrasco usa uma forca
Em que se mata ligeiro
Em cima de um cadafalso
Ao lado do prisioneiro
Põe em seu pescoço uma corda
Com um nó de marinheiro.

Quando vai executar
O tal que a forca merece
Bota em seus ói uma venda
E manda que faça uma prece
E se tem prisão de ventre
No instante a bosta amolece.

Pergunta se o condenado
Tem um pedido a fazer
Pois vai ser o derradeiro
E a chance não pode perder
Então pede "com educação":
'Vão todos vocês se f....!'

E a coisa prossegue assim:
O chão se abre e ele cai
As pernas já balançando
Não pode nem dar um ai
Se 'stava já se peidando
Agora a merda lhe sai.

A corda aperta o pescoço
E a língua salta pra fora
É cada butuca de ôi
Sinal que já é sua hora
E se o sujeito é branquelo
Fica roxim mas não chora.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Na Sombra de Zé da Luz

(dance)Se um dia tu descobrisse
Por esses disse-me-disse
Que escondo u'a esquisitice
E é um fetiche com Alice;
Se eu contasse era burrice
Que é pra tu sem-vergonhice,
Que o qu'eu dissesse engolisse.
E se isso te afligisse
E tu então exigisse
Pra qu'eu a tu não mentisse
E nada te omitisse
Pra que tu não me punisse.
E se a verdade tu ouvisse
Que houve já quem eu bulisse
Que a tu eu preferisse,
Talvez teu castelo ruísse.
Pois não era melhor que fingisse
E deixasse para a velhice
Que é o tempo da rabujice
Quando paixão é tolice?
Mas se a sina se cumprisse
E o diabo nisso insistisse
E a razão em ti falisse
Teu ciúme virasse sandice
E raiva d'eu tu sentisse,
Dos teus ói sangue saísse
E pra cabeça subisse
E na cara me cuspisse;
Talvez inda mais me ferisse
Se com as unhas agisse
E eu nem assim reagisse
E o sangueiro cobrisse;
Mas quando caído me visse
Talvez tu me acudisse,
Talvez em choro caísse
E teus braços tu me abrisse
E depois nós dois se risse
Tu querendo qu'eu pedisse
Pra que comigo dormisse
Com medo qu'eu te traísse
Sonhando com a bela Alice,
Mas no fim só conseguisse
Que a ti mesma iludisse.
Pois não era melhor que fingisse
E deixasse para a velhice
Que é o tempo da rabujice
Quando paixão é tolice?
Senão melhor qu'eu partisse
Ou então que tu fugisse
Pois viraria chatice
Se do teu rosto sumisse
O jeito de oiá com meiguice
Que é tu dizendo u'a mesmice:
Que tu me ama, Doralice!

segunda-feira, 9 de maio de 2011

De Carrascos

Quem executa é carrasco
Que mata dentro da lei
Que põe a mão na massa
Faz o que manda seu rei
Mas por que usa um capuz?
No fim tá a resposta que dei.

Carrasco é aquele que faz
O que ninguém quer fazer
Sujar as mãos de sangue
Sem a consciência doer
E depois de muitas mortes
Achar graça e ter prazer.

Só calaram a Sócrates
Usando da força bruta
Disse o verdugo: se cale!
Engula logo a cicuta
Agora nós vamos ver
Se alguém ainda o escuta.

Carrasco teve a Igreja
Ao tempo da Inquisição
Que mandava pra fogueira
Quem lhe fazia oposição
E abençoava o carrasco
Após cada execução.

Na Revolução Francesa
A História nos ensina
Que o carrasco afiava
O gume da lâmina fina
Em cada novo pescoço
Que ia pra guilhotina.

Recentemente Saddam
Foi enforcado na praça
O carrasco tava doido
Pra acabar com sua raça
Disse: o Iraque hoje fica
Livre dessa desgraça.

Com Bin Laden foi assim:
Obama mandou matá-lo.
E ordenou aos algozes
Só voltem depois de pegá-lo
Tragam-no morto ou sem vida
Não aguento mais esse calo.

E todos esses carrascos
O que em comum hão de ter?
É que agiram dentro da lei
E a lei lhes deu tal poder
Se são heróis num momento
Num outro podem não ser.

O tempo faz a História
E a História conta o passado
Quem fez terá sua culpa
Quem mandou também é culpado
Pois se o carrasco errou
O erro já tá no Mandado.

Então não só o carrasco
Mas também o seu mandante
Rei, juiz, imperador
E o mais alto comandante
Da Igreja ou do Palácio
Do maior governante.

Todos são responsáveis
E mais quem tem maior poder
Mas é o papel do mandante
Tramar a luta e se esconder
Que tem outro pra travá-la
Ser carrasco e o risco correr.

Por isso todos aplaudem
A figura do carrasco
Que é a mão da autoridade
Que não faz porque tem asco
Mas quer lavar suas mãos
Se acaso for um fiasco.

Agora a pergunta, doutor:
Se é importante e honrosa
A função de um carrasco;
Se é digna e corajosa,
Quem lhe daria a mão
De sua filhinha formosa?

E por que dá-la ao mandante
Mas não ao que se sujeita
A fazer o serviço sujo
Que quem mandou o rejeita?
É que o fraco tem a força
E o forte tem a caneta.

Para responder, enfim
À pergunta feita atrás
O carrasco usa um capuz
Porque é vergonha demais
O cabra ser secretário
Do diabo que nada faz.

Consta no espetacular livro POETAS ENCANTADORES do poeta e repentista Zé de Cazuza, que é do cantador repentista Manoel Xudu, poeta nascido em São José de Pilar - PB, em 1932, e falecido em 1985, este pensamento filosófico em sextilha: 

Judas pegou uma corda,
Morreu com ela enforcado,
Não estava arrependido,
Estava desesperado,
E o desespero da culpa
Nunca redime o pecado.

domingo, 1 de maio de 2011

Glosas III


Ter-me foi puro acidente.
Talvez quisesse um prazer.
Porém você foi decente:
Nada fez pr’eu não nascer.
Deixou-me com a natureza.
Pois sei que em sua rudeza
Nós não passamos de bicho:
Não sou mais que a andorinha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi jogar-me no lixo!

Vive mais pelo instinto.
À própria sorte lançada.
Pra parir, qualquer recinto
Serve a u’a pobre coitada.
A miséria é que embrutece.
A mulher surta, enlouquece,
E acha o latão um bom nicho
Pra deixar sua avezinha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi jogar-me no lixo!

É mais forte que a gente
O instinto de procriar.
Inda mais se for um ente
Que não pôde se educar.
Então ficou sem defesa,
E a força da natureza
Tirou você do seu eixo,
Porque senão eu não vinha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi má e eu não me queixo!

Na natureza é assim:
Não se resiste ao impulso.
Se a mãe enjeita um bichim,
De seu meio não é expulso.
Pois o filhote é da vida,
Que cuida em dar-lhe guarida.
Você não agiu por capricho.
A culpa não é sua nem minha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi jogar-me no lixo!

E agradeço a você
Que me deixou num latão,
Pr’eu então sobreviver.
Que ironia nesse mundão!
Pois hoje é já u’a carreira
Pobre viver da lixeira.
Então lhe atire um seixo
Quem não pecava... E sozinha!?
Sua intenção, mamãezinha
Não foi má e eu não me queixo!

A gente quer condenar:
--- É uma mãe desnaturada!
Mas se fosse você lá
Nu’a vida desesperada,
Louca de tanto sofrer?
Creio a pudesse entender.
Com a cruz mais leve eu a deixo,
Que o juízo se avizinha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi má e eu não me queixo!

No fim, você me salvou!
Não sacrificou-se em vão,
Pois sua mão me entregou
A um catador bom irmão.
Pra isso o céu conspirou!
Você não me abandonou.
Só deixou-me igual aos bicho...
Que logo o socorro vinha.
Sua intenção, mamãezinha
Não foi jogar-me no lixo!

A décima a seguir, que faz parte do poema O Menor Abandonado, foi glosada pelo violeiro repentista Sebastião da Silva, poeta nascido em Pilhõesinho - PB, em 1945.

Os culpados são os pais
Que por prazer lhe geraram,
Lhe confeccionaram
Com seus desejos venais,
Num dos atos mais brutais.
Depois do feto gerado
Nasceu e foi atirado
Na podridão da cidade.
Lamento a necessidade
Do menor abandonado.
Você diz que sabe a bíblia de cor,
Sabe o nome de cada personagem,
E de cada um sabe a sua linhagem:
Quem foi tataravô e tataravó,
Quem não quis se casar e viveu só.
Quando é pra pregar, você é um ás.
Diz pra fazer o que não é capaz
E em muito do que faz se contradiz.
Não acredito no que você diz
Porque vejo bem o que você faz.